Mais uma tragédia anunciada
As causas de catástrofes como a da Samarco não são misteriosas
por Thomaz Wood Jr
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publicado
17/12/2015 05h29
Antonio Cruz/ Agência Brasil
Em 2010, a explosão em uma plataforma operada pela BP no Golfo do México
matou 11 trabalhadores e espalhou óleo por toda a área. Em 2012, em
Daca, Bangladesh, o incêndio em um prédio que abrigava uma indústria
têxtil matou 112 empregados. Neste ano, na cidade portuária chinesa de
Tianjin, explosões relacionadas à estocagem de gases tóxicos em uma área
de armazenagem de contêineres mataram mais de cem pessoas e provocaram
ferimentos em centenas.
Agora, a Samarco,
mineradora controlada pela brasileira Vale e pela anglo-australiana
BHP-Billiton, adiciona o seu nome à infame e crescente lista. No dia 5
de novembro, dois reservatórios da empresa com subprodutos de mineração
cederam e liberaram uma lama que destruiu o distrito de Bento Rodrigues e
poluiu o Rio Doce, fonte de água de muitos municípios.
A catástrofe macula uma história de quase quatro décadas de sucesso. Em 2013, a empresa participou da premiação do anuário Melhores e Maiores, da revista Exame, e foi eleita mais uma vez a melhor mineradora do Brasil. Na ocasião, o diretor-presidente Ricardo Vescovi
explicou as razões do sucesso da empresa: qualidade da gestão, prática
de valores empresariais, priorização da vida, cultura de planejamento e
nível educacional dos empregados. A empresa voltou a ser premiada em
2014 e 2015, por crescer em situação econômica desfavorável. Pouco antes
do acidente, foi escolhida uma das 150 melhores empresas para trabalhar
no Brasil, em pesquisa promovida pela revista Você S.A.
- As raízes do problema são fincadas na cultura empresarial inconsequente (ANEL – Assembleia Nacional dos Estudantes Livre)
Tragédias desse tipo costumam ser seguidas por notável
circo. O drama humano e ambiental é amplamente explorado pela mídia.
Promotores, advogados e especialistas em relações públicas ganham o
palco. Técnicos e pseudotécnicos trocam impressões. Rareiam os fatos,
sobram interpretações. Enquanto as vítimas são socorridas e os efeitos
ambientais são tratados, densa neblina encobre a causa da tragédia. Em
algum momento, os peritos darão seu veredicto.
O que, afinal, está por detrás de tais
catástrofes? Alguns casos são claro fruto de conduta temerária ou
criminosa. Outros se relacionam à chamada incompetência sistêmica, a
falta crônica de capacidade para gerir com segurança sistemas
organizacionais complexos. Nesses casos, os acidentes são anunciados
muito tempo antes de ocorrerem, porque faltam processos, controles e
boas práticas.
Organizações mais sofisticadas, de gestão profissional,
não estão livres desse tipo de problema. Seus controladores sabem muito
bem, entretanto, quanto podem perder com acidentes e são espertos o
suficiente para investir em sistemas para proteger seus interesses.
Nessas situações, as causas costumam ser
outras. A primeira delas refere-se à gestão de riscos. Toda atividade
empresarial ou industrial implica riscos, especialmente aquelas de
grande impacto sobre o meio ambiente. É inviável evitar totalmente os
riscos ou fazer seguros para tudo. Por outro lado, assumir
tresloucadamente riscos pode levar à falência. A solução é administrar
os riscos e investir em expertise técnica e gerencial. Ocorre que, no
limite, se faltar expertise, o cenário para a catástrofe estará montado.
A segunda causa relaciona-se com a busca
do crescimento. Empresas em fase de expansão, com metas ambiciosas,
frequentemente avançam o sinal, submetendo alguns elos de sua cadeia
produtiva ao estresse, o que pode gerar rupturas. Novamente, o abismo
estará a um passo.
A terceira causa relaciona-se à cultura
empresarial. Muitas organizações bem-sucedidas, obcecadas com o próprio
sucesso e inebriadas com prêmios e honrarias, promovem inadvertidamente
atitudes inibidoras da veiculação de más notícias. Tal condição faz com
que seus funcionários evitem mostrar suas preocupações e indicar
problemas que maculem o estado de euforia realizadora. As consequências
do culto do sucesso podem ser nefastas.
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