Tarcísio é um Bolsonaro que sabe jogar pra mídia O reconhecimento de Tarcísio de Freitas de que “tinha uma visão equivocada” ao se posicionar contra as câmeras corporais chegou tarde e sem substância. Depois das gravações de cenas de violência policial explícita nas últimas semanas, ao alcance de qualquer tela, o mínimo que o governador teria que fazer é demitir o secretário de Segurança.
Essa seria a única sinalização crível de que haveria uma mudança na política de segurança diante do aumento de 46% das mortes por violência policial no estado de São Paulo apenas neste ano, como consta na decisão sobre a obrigatoriedade do uso de câmeras pela Polícia Militar em operações de alto impacto, assinada no dia 9 de dezembro pelo ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).
A declaração do governador, de que “era uma pessoa que estava completamente errada nessa questão [das câmeras corporais]”, foi dada quatro dias antes da decisão do STF, quando as imagens da PM jogando um homem no córrego, de um policial disparando 11 tiros pelas costas de um rapaz que havia furtado produtos de limpeza e de uma idosa apanhando da polícia, entre outras barbaridades, já estavam nos celulares de todos.
Ainda assim, Tarcísio angariou elogios da imprensa pela virtude de reconhecer o erro. O fato de manter o secretário Guilherme Derrite inspirando a tropa como exemplo de violência policial – e com ficha corrida que inclui 16 investigações por homicídio e até acusações de participação em esquadrões da morte – foi criticado de forma lateral, como se fosse uma “contradição” do “moderado” político bolsonarista.
Aliás, vale lembrar que antes dessa decisão o Supremo teve de ser provocado novamente pela Defensoria Pública de São Paulo para enfim deferir o pedido, duas vezes negado pela Corte. O objetivo da Defensoria, que recorreu ao STF pela primeira vez em dezembro de 2023, era suspender uma liminar de segunda instância que anulou a obrigatoriedade do uso de câmeras com gravação ininterrupta, com decisão favorável na primeira instância.
Para justificar a reviravolta, Barroso explica na decisão que os pedidos anteriores da Defensoria haviam sido indeferidos “por entender que se deveria dar ao Estado a oportunidade de se organizar para a implementação da política”, e que as providências em relação às câmeras corporais em operações policiais em São Paulo seriam monitoradas pelo tribunal.
Um voto de confiança a honrar Tarcísio, justamente o responsável pelo desmonte dessa mesma política que, entre 2019 e 2022, obteve uma redução de 76,2% na letalidade das ocorrências em batalhões que usavam o artefato – um raro caso de êxito de uma medida de segurança pública no país.
Enquanto o governador engabelava a Suprema Corte, a violência policial crescia em número de vítimas e inquéritos do Ministério Público. De janeiro até 17 de novembro deste ano, 673 pessoas foram mortas por policiais militares em São Paulo. Em 2022, último ano antes da gestão Tarcísio, foram 260 vítimas de operações policiais.
Quando o STF negou pela primeira vez o pedido da Defensoria, a Operação Escudo, deflagrada depois da morte de um PM, já tinha matado 28 pessoas em 40 dias – de 28 de julho a 5 de setembro de 2023 – e a secretaria de Derrite se preparava para novo morticínio com a deflagração da Operação Verão, que matou 56 pessoas até 1º de abril de 2024.
Ambas as operações ocorreram na Baixada Santista, mesmo cenário da morte de Ryan, 4 anos, que chocaria o país sete meses depois. O menino foi atingido por policiais que perseguiam dois adolescentes de 15 e 17 anos em meio a crianças brincando. O garoto mais velho também morreu. Não satisfeita, a PM mandou viaturas para a porta do velório de Ryan e realizou abordagens policiais, atrapalhando o cortejo fúnebre. Um mês depois da morte, a família não havia recebido nenhum contato do governo de São Paulo.
A Operação Verão foi a ação mais letal da PM desde o massacre do Carandiru, em 1992. Como a Operação Escudo, teve a marca das ilegalidades como execução sumária, fraude processual e obstrução de câmeras corporais dos policiais. Ignorada pelo STF, a Defensoria teve de recorrer à ONU. |
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