O Azerbaijão foi estabelecido sobre uma área absurdamente fértil em petróleo e gás natural. Em algumas regiões do país, o gás aflora ao nível da superfície, o que faz com que qualquer ignição possibilite que ele comece a queimar. A impressão que dá é que a própria terra está queimando – algo que pode continuar por anos a fio. Anos!
Imagine comigo o que isso pode ter significado para as populações que há séculos viviam nessa região. Imagine o que isso representa para o imaginário coletivo do Azerbaijão. Um fogo que brota e não apaga nunca mais.
Fiz esse exercício de imaginação no último domingo (17), quando tivemos uma breve folga durante as negociações da conferência do clima – que, em seu âmago, visa estabelecer, veja bem, justamente um caminho para o fim dos combustíveis fósseis.
Com colegas brasileiros, visitei o Ateshgah, o templo do fogo, cerca de 20 km do centro de Baku. É justamente um desses locais onde o gás aflorava, gerando um cenário que ficou conhecido como “Chamas Eternas”. No entorno daquele ponto, que séculos atrás só podia ser interpretado como algo sagrado, foi estabelecido um templo do zoroastrismo. Trata-se de uma das mais antigas religiões monoteístas, que surgiu nesta região do planeta mais de 3 mil anos atrás e tinha como característica a adoração ao fogo.
Entre idas e vindas, o templo continuou sendo visitado pelos religiosos até meados do século 20, quando a exploração de petróleo no entorno se tornou tão intensa que o nível do combustível diminuiu. Foi perto de Baku, em 1846, que o primeiro poço de petróleo do mundo foi perfurado comercialmente. Quase um século depois, já não tinha gás na superfície para alimentar as chamas. Sem fogo, os religiosos foram embora do templo.
Alguns anos depois, sob controle da então União Soviética, o país reativou a chama eterna de modo artificial, canalizando gás metano para o local. O templo deixou de ter fins religiosos e se tornou um museu histórico e arquitetônico sobre a relação da população com o fogo sagrado. Há até um feriado nacional que relembra os rituais tradicionais. Em outras regiões do país, se mantém a ocorrência da terra queimando por causa do gás que escapa.
Foi impossível não pensar, depois desse tour, no significado histórico do petróleo e do gás no país. Como está arraigado na identidade desse povo. E até passou a fazer algum sentido a frase dita pelo presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, na primeira semana da COP. Ao dar início ao segmento de alto nível, em que se pronunciam os chefes de Estado e de governo, Aliyev chamou os combustíveis fósseis de “presente de Deus”. Frase, aliás, que lhe rendeu muitas críticas.
Questionada sobre isso na semana passada, a ministra Marina Silva respondeu de modo bem-humorado: “Eu diria que Deus nos dá presentes, mas ele sempre pede que sejamos bastante comedidos em relação aos presentes que ele nos dá. Por exemplo, se comermos açúcar demais, com certeza ficaremos diabéticos”.
A ciência é muito clara sobre o quanto hoje está nos fazendo muito mal a queima dos combustíveis fósseis. Mas fiquei imaginando o que passou na cabeça dos gentis e sorridentes azeris quando eles começaram a ouvir que a exploração do produto que lhes trouxe riqueza é algo com o qual não poderão contar num futuro próximo. Que é o que causa as mudanças climáticas com as quais eles mesmos já vêm sofrendo. |
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