Precisamos falar sobre Alexandre Enfim, o Twitter foi banido e ninguém morreu, ninguém enfartou por causa disso – é bem possível que a vida daqueles que, como eu, só usavam essa rede social, se torne até mais saudável. Afinal, desde a aquisição por Elon Musk, a plataforma tem passado por um intenso processo de enshittification (ou bostificação, como expliquei nesta newsletter) na qual está rapidamente deixando de ser uma “praça pública” para se tornar um celeiro de ódio, pornografia e quintal da extrema direita.
Para Elon, pouco importa, assim como pouco importa que, ao decidir desobedecer ordens da Justiça brasileira, tenha colocado em risco seus próprios funcionários. Elon aproveitou o que sabia que viria – a tal carta do STF ameaçando a equipe – para mandar todo mundo embora, fechar a barraquinha e sair do país, usando a extraterritorialidade como porto-seguro pra atacar livremente nossa democracia (não esqueçamos que Bolsonaro fez o mesmo ao se mudar pra Orlando para tentar articular um golpe de Estado).
Está claro que seu interesse não é tornar o ex-Twitter uma empresa bem-sucedida. Pelo contrário, quer torná-la uma ferramenta da extrema direita global, mais ou menos como o Gettr, rede social fundada pelo assessor de Donald Trump, Jason Miller, que, embora tenha tido um modelo de negócios viável, foi usada para financiar o bolsonarismo, como descrevemos nesta reportagem. Vamos aos números. apenas no ano passado, a receita de anúncios do Twitter nos EUA caiu em 60%. O valor das ações caiu 72%, uma perda de 24 bilhões de dólares, segundo o Washington Post. Agora, com o bloqueio no Brasil, perde-se do dia para noite 20 milhões de usuários, segundo a própria plataforma, ou 6% do total: 1 em cada 15 usuários desapareceu.
Se estivéssemos falando de uma empresa minimamente séria, o CEO que levou a esses números seria imediatamente demitido.
Mesmo assim, seria um grande erro aplaudirmos cegamente a decisão monocrática de Alexandre de Moraes.
Alexandre estava certo em bloquear o Twitter. Não há a menor possibilidade de permitir que uma rede social opere no Brasil sem representante legal – poderia ser apenas um escritório de advocacia, como fez o Telegram quando se viu na mesma situação em 2022. É o que estipula o Marco Civil da Internet, quando determina que as empresas de tecnologia operando no país têm que cumprir a lei; só dá pra cumprir a lei com representante legal. E a Justiça tem que ser dura com esses tecno-oligarcas, justamente porque eles atuam de todas as maneiras para preservarem o seu faroeste digital onde são xerifes, bandidos e mocinhos, e todo o resto de nós somos grãos de areia ao vento.
Mas na esteira da briga contra Elon, que se pessoalizou por vontade de um e também por vaidade do outro, o ministro tem atuado de maneira exagerada e precipitada, demonstrando que o poder que obteve dentro da Corte de fato lhe subiu à cabeça.
Embora tenha conseguido uma coesão quase absoluta dos comentaristas e ativistas de direitos digitais sobre suspender o Twitter, a decisão de bloquear as contas da Starlink parece arbitrária, uma vez que as empresas não fazem oficialmente parte do mesmo grupo – embora tenham o mesmo dono. Agora, a Starlink decidiu não cumprir a decisão de Moraes e não banir o Twitter, numa demonstração que, de fato, é Elon quem manda nas duas. Mas é esperado que o bilionário seja truculento. Da nossa Justiça, deve-se esperar lógica e razoabilidade.
Outro grande problema da decisão levou a notas de repúdio de organizações sérias que defendem a regulação das plataformas. Moraes havia determinado que lojas de aplicativos como Google Play e AppStore tirassem do ar aplicativos de VPN – uma tecnologia que mascara de onde é uma conexão e permite acessar sites bloqueados em um país. É uma decisão sem lógica e que afetaria direitos de milhares de pessoas.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário