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Blog criado para informar a todos e a todas sobre os acontecimentos e temas do campo e da agricultura familiar.
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Relações sociais criadas nas últimas décadas remetem aos campos nazistas. Agora, explorados estão tão submetidos, material e psiquicamente, que a solidariedade torna-se quase impossível. Este inferno tragará até as classes médias do Ocidente
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Por Franco ‘Bifo’ Berardi, no CTXT | Tradução: Rôney Rodrigues
“Caliban: Você me ensinou a língua
e meu benefício é que eu sei amaldiçoar.
“A peste vermelha leva você por me ensinar sua língua.”
Shakespeare: A Tempestade
A história do colonialismo é uma história de depredação sistemática do território. O objeto da colonização são os locais físicos ricos em recursos de que o Ocidente colonialista necessitava para a sua acumulação. O outro objeto da colonização são as vidas de milhões de homens e mulheres explorados em condições de escravatura no território sujeito ao domínio colonial, ou deportados para o território da potência colonizadora.
Não é possível descrever a formação do sistema capitalista industrial na Europa sem ter em conta o fato de que este processo foi precedido e acompanhado pela subjugação violenta de territórios não europeus e pela exploração em condições de escravatura da força de trabalho subjugada em os países colonizados ou deportados para países dominantes. O modo de produção capitalista nunca poderia ter sido estabelecido sem extermínio, deportação e escravidão.
Não teria havido desenvolvimento capitalista na Inglaterra da era industrial se a Companhia das Índias Orientais não tivesse explorado os recursos e o trabalho dos povos do continente indiano e do Sul da Ásia, como relata William Dalrymple em The Anarchy, The relentless rise of the East India Company (2019).
Não teria havido desenvolvimento industrial em França sem a exploração violenta da África Ocidental e do Magreb, para não mencionar os outros territórios sujeitos ao colonialismo francês entre os séculos XIX e XX. Não teria havido desenvolvimento industrial do capitalismo estadunidense sem o genocídio dos povos nativos e sem a exploração escravista de dez milhões de africanos deportados entre os séculos XVII e XIX.
A Bélgica também construiu o seu desenvolvimento na colonização do território congolês, acompanhada por um genocídio de brutalidade inimaginável. Martin Meredith escreve a esse respeito:
“A fortuna do rei Leopoldo
veio da borracha bruta. Com a invenção dos pneus, para bicicletas e depois para automóveis, por volta de 1890, a procura pela borracha cresceu enormemente. Utilizando um sistema de trabalho escravo, as empresas que detinham concessões e partilhavam os seus lucros com Leopoldo saquearam das florestas equatoriais do Congo toda a borracha que puderam encontrar, impondo cotas de produção aos aldeões e fazendo reféns quando necessário. Aqueles que não cumpriram as suas cotas eram chicoteados, presos e até mutilados, cortando-lhes as mãos. Milhares de pessoas morreram resistindo ao regime da borracha de Leopoldo. Muitos mais tiveram que abandonar as suas aldeias…” (Martin Meredith: The State of Africa, Simon & Schuster, 2005, p. 96).
Muitos autores contemporâneos insistem nesta prioridade lógica e cronológica do colonialismo sobre o capitalismo.
“A era das conquistas militares precedeu em séculos o surgimento do capitalismo. Foram precisamente estas conquistas e os sistemas imperiais que delas derivaram que promoveram a ascensão imparável do capitalismo” (Amitav Gosh: La maldición de la nuez moscada, p. 129).
E segundo Cedric Robinson: “A relação entre o trabalho escravo, o tráfico de escravos e a formação das primeiras economias capitalistas é evidente” ( Marxismo Negro ).
Poucos, porém, observaram como as técnicas utilizadas pelos países liberais para subjugar os povos do Sul global são exatamente as mesmas utilizadas pelo nazismo de Hitler nas décadas de 1930 e 1940, com a única diferença de que Hitler usou técnicas de extermínio contra a população europeia, e contra os judeus que eram parte integrante da população europeia.
Um desses poucos é, surpreendentemente, o ex-secretário de Estado dos EUA Zbigniew Brzeziński que, num artigo de 2016 intitulado Rumo a um realinhamento global, teve a honestidade intelectual de escrever: “Massacres periódicos deram origem, nos últimos séculos, a extermínios comparáveis aos dos nazistas durante a Segunda Guerra Guerra Mundial”. O artigo de Brzezinski conclui com estas palavras: “Tão impressionante quanto a escala destas atrocidades é a rapidez com que o Ocidente as esquece.”
A memória histórica é muito seletiva quando se trata dos crimes da civilização branca. Em particular, a memória do extermínio das populações não europeias não recebe atençãe não faz parte da memória coletiva, enquanto um culto obrigatório é dedicado à Shoah em todos os países ocidentais.
A civilização branca considera Hitler como o Mal Absoluto, enquanto os britânicos Warren Hastings e Cecil Rhodes, o alemão Lothar von Trotha, exterminador do povo Herrero, ou o rei Leopoldo II da Bélgica são esquecidos, se não perdoados, pela memória branca.
Como o general Rodolfo Graziani, torturador da Líbia e da Etiópia, que foi gravemente ferido num ataque em Adis Abeba, mas infelizmente salvou a sua vida, e que depois da guerra foi perdoado pelo governo italiano para que pudesse tornar-se presidente honorário do Movimento Social Italiano, o partido dos assassinos que agora governa novamente em Roma.
Exterminaram populações inteiras para impor o domínio econômico da Grã-Bretanha, Bélgica, Alemanha ou França, para não mencionar a Itália. Porém, não são lembrados, pois só Hitler merece ser execrado para sempre, já que suas vítimas não tinham pele negra.
Quanto aos exterminadores dos povos das pradarias norte-americanas, são mesmo objeto de um culto heróico que Hollywood decidiu celebrar.
A colonização agiu de forma irreversível não só a nível material, mas também a nível social e psicológico. Contudo, o principal legado do colonialismo é a pobreza endêmica de áreas geográficas que foram saqueadas e devastadas a tal ponto que não conseguem escapar à sua condição de dependência. A devastação ecológica de muitas áreas africanas e asiáticas empurra hoje milhões de pessoas à procura refúgio através da emigração. Depois, encontram a nova face do racismo branco: a rejeição, ou uma nova escravatura, como ocorre na produção agrícola ou no setor da construção e logística em países europeus.
Dado que o processo de descolonização não conseguiu transformar a soberania política em autonomia econômica, cultural e militar, o colonialismo surge no novo século com novas técnicas e modalidades, essencialmente desterritorializadas, embora as formas territoriais do colonialismo não sejam anuladas pela soberania formal dos que desfrutam (por assim dizer) dos países do Sul global.
Com o termo hipercolonialismo refiro-me precisamente a estas novas técnicas, que não suprimem as antigas baseadas no extrativismo e no roubo (de petróleo ou de materiais essenciais para a indústria eletrônica, como o coltan [de onde se extrai o nióbio e o tântalo]), mas antes dão origem a uma nova forma de extrativismo que tem a rede digital como meio e como objeto tanto os recursos físicos da força de trabalho capturada digitalmente quanto os recursos mentais dos trabalhadores que permanecem no Sul global, mas produzem valor de forma desterritorializada, fragmentada e tecnicamente coordenada.
Desde que o capitalismo global foi desterritorializado através das redes digitais e da financeirização, a relação entre o Norte e o Sul globais entrou numa fase de hipercolonização.
A extração de valor do Sul global ocorre em parte na esfera semiótica: captura digital de mão de obra muito barata, escravatura digital e criação de um circuito de trabalho escravo em setores como a logística e a agricultura. Estes são alguns dos modos de exploração hipercolonial integrados no circuito do Semiocapital.
A escravatura – que há muito consideramos um fenômeno pré-capitalista e que foi uma função indispensável da acumulação original de capital – reaparece hoje de forma generalizada e onipresente graças à penetração do comando digital e da coordenação desterritorializada. A linha de montagem do trabalho foi reestruturada de forma geograficamente deslocalizada: os trabalhadores que dirigem a rede global vivem em locais a milhares de quilómetros de distância, pelo que não conseguem lançar um processo de organização e autonomia.
A formação de plataformas digitais lançou sujeitos produtivos que não existiam antes da década de 1980: uma força de trabalho digital que não consegue se reconhecer como sujeito social devido à sua composição interna.
Este capitalismo de plataforma funciona em dois níveis: uma minoria da força de trabalho dedica-se à concepção e comercialização de produtos imateriais. Cobram salários elevados e se identificam com a empresa e com os valores liberais. Por outro lado, um grande número de trabalhadores geograficamente dispersos dedica-se a tarefas de manutenção, controle, etiquetagem, limpeza, etc. Trabalham online por salários baixíssimos e não possuem nenhum tipo de representação sindical ou política. No mínimo, não podem sequer ser considerados trabalhadores, porque estas formas de exploração não são de forma alguma reconhecidas e os seus escassos salários são pagos de forma invisível, através da rede celular. No entanto, as condições de trabalho são geralmente brutais, sem horários ou direitos de qualquer tipo.
O filme The Cleaners (2018), de Hans Block e Moritz Riesewick, narra as condições de exploração e esgotamento físico e psicológico a que está submetida esta massa de semitrabalhadores precários, recrutados online segundo o princípio da plataforma Mechanical Turk, criadas e gerida pela Amazon.
Entre os anos 1990 e a primeira década do novo século, formou-se esta nova força de trabalho digital, operando em condições que tornam quase impossíveis a autonomia e a solidariedade.
Houve tentativas isoladas de trabalhadores digitais de se organizarem em sindicatos ou de contestarem as decisões das suas empresas. Penso, por exemplo, na revolta de oito mil trabalhadores do Google contra a subordinação ao sistema militar.
Estas primeiras demonstrações de solidariedade ocorreram, no entanto, onde a força de trabalho digital está reunida em grande número e recebe salários elevados. Mas, em geral, o trabalho em rede parece não regulamentado, porque é precário, descentralizado e porque, em grande medida, ocorre em condições de escravidão.
No livro Os afogados e os sobreviventes, Primo Levi escreve que quando foi internado no campo de extermínio “ele esperava pelo menos a solidariedade entre os companheiros de sofrimento”, mas depois teve que reconhecer que os internados eram “mil mônadas seladas, entre as que há uma luta desesperada, oculta e contínua.” Esta é a “zona cinzenta” onde a rede de relações humanas não se reduz a vítimas e perseguidores, porque o inimigo estava por perto, mas também por dentro.
Em condições de extrema violência e terror permanente, cada indivíduo se vê forçado a pensar constantemente na sua própria sobrevivência e é incapaz de criar laços de solidariedade com outras pessoas exploradas. Tal como nos campos de extermínio, como nas plantações de algodão dos estados escravistas da Terra da Liberdade, também no circuito escravista imaterial e material que a globalização digital contribuiu para criar, as condições de solidariedade parecem estar banidas.
É o que eu chamaria de Hipercolonialismo, função dependente do Semiocapitalismo: extração violenta de recursos mentais e de tempo de atenção em condições de desterritorialização.
Mas o Hipercolonialismo não é apenas a extração do tempo mental, mas também o controle violento dos fluxos migratórios resultantes da circulação ilimitada de fluxos de informação.
Dado que o Semiocapitalismo criou as condições para a circulação global da informação, em territórios distantes das metrópoles, pode-se receber toda a informação necessária para se sentir parte do ciclo de consumo e do próprio ciclo de produção.
Primeiro se recebe a publicidade, depois um acúmulo ingente de imagens e palavras que buscam convencer todo ser humano da superioridade da civilização branca, da extraordinária experiência que representa a liberdade de consumo e da facilidade com que todo ser humano pode acessar o universo de bens e oportunidades.
Claro que tudo isto é falso, mas bilhões de jovens que não têm acesso ao paraíso publicitário aspiram a colher os seus frutos. Ao mesmo tempo, as condições de vida nos territórios do Sul global tornaram-se cada vez mais intoleráveis, porque estão efetivamente piorando com as mudanças climáticas, mas também porque enfrentam inevitavelmente as oportunidades ilusórias que o ciclo imaginário projeta na mente colectiva.
Assim, por necessidade e desejo, uma massa crescente de pessoas, especialmente jovens, desloca-se fisicamente em direção ao Ocidente, que reage a este cerco com medo, agressão e racismo. Por um lado, a infomáquina envia mensagens sedutoras e chama ao centro, de onde emanam fluxos de atração. Por outro lado, porém, aqueles que acreditam nisso e se aproximam da fonte da ilusão acabam em um processo massacrante.
A população do Norte global, cada vez mais idosa, pouco prolífica, economicamente em declínio e culturalmente deprimida, vê as massas migrantes como um perigo. Temem que os pobres da terra levem a sua miséria às metrópoles ricas. Eles são apresentados como a causa dos infortúnios sofridos pela minoria privilegiada: uma classe de políticos especializados em semear o ódio racial ilude os velhos brancos, fazendo-os acreditar que se alguém pudesse acabar com aquela perturbadora massa de jovens que pressionam as portas da fortaleza, se alguém pudesse eliminá-los, destruí-los, aniquilá-los, então os bons tempos voltariam, os Estados Unidos seriam grande novamente e a moribunda pátria branca recuperaria a sua juventude.
Na última década, a linha que divide o Norte do Sul, a linha que vai da fronteira entre o México e o Texas até ao Mar Mediterrâneo e às florestas da Europa Central e Oriental, se converteu numa zona onde uma guerra infame é travada: o coração turvo da guerra civil mundial. Uma guerra contra pessoas desarmadas, exauridas pela fome e pelo cansaço, atacadas por policiais armados, cães farejadores, fascistas sádicos e, sobretudo, pelas forças da natureza.
Apesar dos cintilantes anúncios de mercadorias que encorajam os idiotas consumistas, e apesar da propaganda dos porcos neoliberais, a lógica do Semiocapital funciona apenas de uma maneira: o Norte global infiltra-se no Sul através dos incontáveis tentáculos da rede: uma ferramenta para capturar fragmentos de trabalho desterritorializado.
Mas a penetração física do Sul, que pressiona para aceder a territórios onde o clima ainda é tolerável, onde há água, onde a guerra ainda não chegou com toda a sua força destrutiva, é repelida pela força e pelo genocídio. Uma parte significativa, senão majoritária, da população branca decidiu entrincheirar-se na fortaleza e utilizar todos os meios para repelir a onda migratória. Os colonialistas de ontem – aqueles que nos séculos passados atravessaram os mares para invadir os territórios-presas – clamam agora contra a invasão, porque milhões de pessoas estão pressionando as fronteiras da fortaleza.
Esta é a principal frente de guerra que se desenvolve desde o início do século e que se expande, assumindo por toda parte os contornos do extermínio. Não é a única frente de guerra: outra frente da caótica guerra mundial é a interbranca, que confronta a democracia liberal imperialista com a soberania autoritária fascista.
A desintegração do Ocidente, e em particular da União Europeia, como resultado da guerra interbranca, corre paralelamente à guerra genocida na fronteira: dois processos distintos entrelaçados no cenário da década de 1920.
Como sair vivo? Esta é a pergunta que todos os desertores se fazem.
Precisamos nos organizar para desertarmos juntos.
OUTRO DIA PASSEI ONDE FUNCIONAVA A AGÊNCIA DO BANCO DO NORDESTE NA PRAÇA PADRE JOÃO MARIA NO CENTRO DA CIDADE, TINHA UMA PLACA ANUNCIANDO UMA REFORMA PARA FUNCIONAMENTO DE UM ANEXO DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ALÍÁS A RUA VIGARIO BARTOLOMEU ESTÁ SE TORNANDO UM ANEXO DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA , UM, VERDADEIRO ABSURDO, DESTRUINDO UMA RUA PARA ACOMODAR OS PINDURICALHOS DA ASSEMBLEIA.
MAS, VOLTANDO A QUESTÃO DA PLACA QUE ANUNCIAVA O GASTO DE MAIS DE 6 MILHÕES DE REAIS, SOMENTE PARA A REFORMA DO LOCAL ONDE FUNCIONAVA O BANCO DO NORDESTE, IMAGINE O RESTANTE DA RUA QUE FOI DESAPROPRIADA. POIS BEM, DE UMA HORA PARA OUTRA A TAL PLACA SUMIU, NÃO SEI POR OBRA DE QUEM. A VERDADE É QUE É UM VERDADEIRO ABSURDO, COMO DIRIA O OUTRO> " ISTO É UMA VERGONHA".
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ENTREVISTA
Antropóloga critica discursos de prosperidade que prometem luz no fim do túnel, mas não são possíveis para maioria
15 de setembro de 2024
16:00
Por Andrea DiP, Clarissa Levy, Claudia Jardim, Ricardo Terto, Stela Diogo
PODER SOCIEDADE
Eleições 2024 extrema direita política
As eleições municipais deste ano escancaram um certo esvaziamento político, a ausência de propostas e o excesso de performances voltadas às redes sociais. Essa é a visão da antropóloga e uma das principais pesquisadoras da extrema direita no Brasil, Isabela Kalil, que conversa com o Pauta Pública.
Kalil fala sobre o crescente surgimento de figuras políticas que se mostram como outsiders, isto é, aquelas que buscam se distanciar de partidos e correntes políticas tradicionais para construir suas plataformas. Segundo ela, são também as mesmas figuras que fazem apelos à meritocracia, exaltando conquistas pessoais e acúmulo de riquezas, apesar de ao mesmo tempo não assumirem serem parte da elite que criticam. “É um discurso que dialoga muito como uma pessoa que trabalha ou que vive em condições precárias, que se sente explorado e com razão. No entanto, o que essas lideranças não dizem é que eles sim fazem parte da elite”, critica.
Na visão de Kalil, esses discursos acabam ganhando força entre “pessoas em situação precária, que veem nessas falas uma espécie de luz no fim do túnel para melhorar as condições de vida delas”, afirma, mesmo que essa saída não seja possível para boa parte das pessoas.
A pesquisadora alerta que os candidatos que promovem o individualismo e o discurso antipolítica, na realidade fomentam uma ideologia ultraliberal. Na visão de Kalil, o ultraliberalismo, por defender a atuação livre do mercado, sem intervenções governamentais, pode ser potencialmente catastrófico para países como o Brasil, acirrando as diversas desigualdades sem oferecer nenhum tipo de proteção social. “Qual é o interesse dessas organizações [privadas] em reduzir desigualdades ou representar setores da população que estão fora dos interesses do mercado?”, questiona a antropóloga.
Leia os principais pontos da entrevista e ouça o podcast completo abaixo.
EP 137 Por que o discurso antipolítica cola no eleitorado? – com Isabela Kalil
13 de setembro de 2024 · Pesquisadora sobre a extrema direita no Brasil avalia como o individualismo está se sobrepondo à noção de coletividade
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[Andrea Dip] Você acha que a individualização da política não vem só da parte dos candidatos, mas também dos eleitores? As pessoas não pensam mais na política como uma coisa coletiva, mas votam a partir de pautas individuais?
Esse não é um fenômeno exclusivo da política. Inclusive, a gente pode pensar que existem diferentes formas para entender a força da extrema direita e da direita radical. Uma determinada linha de pensamento conecta esse fenômeno político com o momento que estamos vivendo, no capitalismo. Nesse caso, seria algo que basicamente nos leva a um processo muito mais amplo de desfazimento daquilo que nos une em relação ao comum, daquilo que é possível pensar de mobilização política.
A gente tem, ao mesmo tempo, uma crise de outras institucionalidades ou mediações como, por exemplo, sindicatos. Com isso, a política, de uma certa maneira, seria um sintoma que aproveita desse fenômeno. Seria uma perspectiva de atravessamento que tem a ver, inclusive, com a subjetividade. Com a forma como a gente demonstra nossos afetos, a forma como a gente se relaciona com as pessoas de maneira mais íntima, a forma como a gente participa ou não da vida comunitária. Seja vivendo em um condomínio ou lidando com o transporte público.
Então, acho que sim, é um fenômeno mais amplo, que não dá para olhar só para política. Porque quando a gente olha só pra política, tendemos a encontrar respostas como, por exemplo, a culpa é das plataformas digitais ou a culpa é da mudança tecnológica. É lógico que as mudanças tecnológicas têm um papel importante, mas não explicam só por isso. A gente tem que entender que existe, no caso dessa própria ideologia hiperindividualista, que ela tem a ver com uma perspectiva em relação ao Estado e em relação ao mercado, com tendências ultraliberais. […]
Estamos falando de uma visão do Estado, de uma visão da economia e de uma sobreposição e uma interferência daquilo que seria iniciativa privada, a lógica empresarial e a lógica do empreendimento, ela toma o lugar da coisa pública e daquilo que seria do Estado. Por mais que determinadas figuras determinadas possam dizer que não são nem esquerda nem de direita, quando elas performam na perspectiva do hiperindividualismo, elas estão performando uma ideologia ultraliberal.
[Andrea Dip] Os políticos auto rotulados de “outsiders” – ainda que sejam parte do establishment político há anos – parecem que vêm envolvidos em uma camada de entretenimento, de showmen. Como você vê isso?
Essas figuras dos outsiders acabam tendo muita afinidade com o discurso individualista, hiperindividualista. E aí são duas perspectivas: a primeira, que os outsiders que estariam fora da política e eles trariam uma solução do chamado mercado. Isso significa que, o que está por trás do que está sendo proposto, é uma substituição da capacidade técnica do Estado e uma diminuição da importância que o Estado como instituição, para ser de uma certa forma gerido por uma lógica empresarial. A perspectiva seria a seguinte, que todos os políticos e a classe política fazem parte de uma espécie de combo em que está o Estado, que é grande, ineficiente, demorado e muito custoso para a sociedade.
Com isso, seriam outros tipos de arranjo, que não passam por esse tipo de mediação relacionada ao Estado, com inovações da iniciativa privada, que poderiam resolver melhor essas questões públicas. Isso é muito perigoso, porque se a gente vai pensar, é claro que o podemos fazer um monte de crítica em relação ao funcionamento do Estado e ao aperfeiçoamento da máquina pública. Agora, uma outra coisa é propor essa lógica de ter o Estado como algo parecido a uma Startup com grandes inovações, tanto de pessoas do mundo do mercado quanto do mundo da tecnologia, quase como gerir a coisa pública como se fosse uma big tech.
Isso é complicado porque quando a gente vai olhar para um país que tem problemas sérios de desigualdade, das mais variadas, qual é o interesse dessa organização que não o Estado em conseguir reduzir desigualdade ou em conseguir atuar representado setores da população não estão encobertos por aquele interesse de mercado ou de consumo? No final das contas, isso resultaria em um processo de acirrar desigualdades sociais já existentes. No momento em que a gente tem situações como as catástrofes climáticas e o acirramento das desigualdades, a perspectiva de substituição do Estado, acho vale perguntar, a quem ela interessa? Eu não vejo dissociada essa ideia dos outsiders dessa perspectiva de substituição daquilo que seria um CEO, digamos assim, gerindo a coisa pública.
[Andrea Dip] Eu estava lendo algumas pesquisas sobre como as periferias, que historicamente votavam em partidos de esquerda, têm cada vez mais votado em partidos de direita/extrema direita. Isso também me parece um fenômeno transnacional. Fui em um congresso de direita, norte americano, do Partido Republicano e elas traziam justamente essa virada como uma grande oportunidade. Diziam que os votos da direita, nos Estados Unidos, têm vindo de imigrantes e de pessoas não brancas sem diploma. O que está provocando isso?
Essa mudança está presente nessa guinada do voto da periferia, para esses projetos e ao mesmo tempo, no apelo ao eleitor mais jovem. Inclusive, Marçal [candidato a prefeito da cidade de São Paulo] tentou fazer esse movimento, mesmo com uma relativa resistência das pessoas da cultura do funk e do trap. Mas ele fez esse movimento para tentar atrair tanto o voto mais jovem quanto os votos da periferia. Isso tem a ver com uma série de questões: primeiro que a direita radical e a extrema direita mobilizam muito um discurso de ‘nós somos antissistema. Eles são o sistema, eles são a elite’.
É um discurso que dialoga muito como uma pessoa que trabalha ou que vive em condições precárias, que se sente explorado e com razão. No entanto, o que essas lideranças não dizem é que eles sim fazem parte da elite. No final das contas, essa tentativa de jogar ‘eles são parte da elite’, acaba funcionando por mobilizar um sentimento de revolta, que ele é muito legítimo. Principalmente para as pessoas que trabalham em jornadas de 18 horas por dia, enfrentando horas de trânsito em deslocamentos em grandes cidades, correndo riscos, para ganhar salários que são muito baixos, para manter o capitalismo funcionando. […]
Quando a gente olha o discurso do Pablo Marçal, já que a gente está usando a cidade de São Paulo como exemplo, é exatamente esse discurso que ele mobiliza. ‘Eu era pobre, trabalhava, sempre trabalhei, dependia do meu salário, e eu fiz uma trajetória de ascensão social e me tornei rico. E é isso que eu vou oferecer porque eu tenho os códigos, eu tenho a fórmula para que você possa destravar a riqueza e alcançar a prosperidade.’
Isso acaba sendo um discurso que ele lida com questões que são muito concretas e muito legítimas da população. Então não dá para dizer que os eleitores estão errados em buscar melhores condições de vida. Mas é claro que esse projeto de enriquecer não é realista para os eleitores de maneira mais ampla. Mas tem aí um sentimento legítimo, porque a gente está falando, a partir de pesquisas etnográficas, de pessoas que querem ter condições mínimas de sobrevivência, minimamente dignas, como ir ao supermercado para fazer compras.
Muitas vezes, a gente tem aí um imbricamento que sim, tem pessoas que são investidores, que são ricas e que utilizam esse discurso e estão se mobilizando por uma perspectiva de ganância. Mas parte da população são de pessoas em situação precária, do ponto de vista de condições de vida, que veem nessas falas uma espécie de luz no fim do túnel para melhorar as condições de vida delas e de suas famílias.
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REALMENTE NÃO DAR PARA AGUENTAR ESTA CORJA QUE SE ENTITULA DE PESSOAS SÉRIAS, COM TANTAS FALCATRUAS NO CURRICULO.
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