quarta-feira, 4 de outubro de 2023

 

Gilberto Felisberto Vasconcellos
Gilberto Felisberto Vasconcellos é sociólogo pela Universidade de São Paulo (USP) com doutorado em Ciências Sociais.

Lula Star Raízen no Céu da Shell

Lula não manda para correr o representante de Roberto Campos no Banco Central. O bolsonarismo e seus agentes estão instalados no Banco Central e no governo de São Paulo.

Publicado em 28/09/2023

Lula parece estar convencido, na terceira vez ao poder, que nunca na América Latina houvera um partido político de envergadura histórica dotado de pragmatismo e de garra militante como o Partido dos Trabalhadores. Entram em cotejo o PTB de Getúlio Vargas e o PDT de Leonel Brizola.

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O golpe entre nós é amiúde acionado pela direita, seja com tanque, seja com caneta, perdoado pela esquerda para que o país volte à normalidade. Vezes e mais vezes ouvimos falar que a luta de classes é “exótica” e importada. Não é apenas o integralismo de Plínio Salgado que entoou o estribilho de que a luta de classes era neurose marxista que não traz progresso ao país.

Quando ocorre conflito social trata-se de desvio, anomalia, anomia, pois somos o conúbio inseparável de capital com trabalho. Não é senão por isso que a palavra que sobressai no léxico parlamentar é “conversa”. O político com vocação é aquele que não recusa a conversar.

A impressão que se tem, dentro ou fora do parlamento, é que a conversa é o motor da história. A concordância. A silepse. A parolagem em busca do entendimento. O proleta de mãos dadas com o capitalista. Conversando a gente se entende. Político bem-sucedido é bom de conversa. Citam-se Jotaká, FHC e Lula. A democracia não se sustenta se o diálogo entre o rico e o pobre é interrompido. Decorre daí que o progresso social entre nós é o avanço da filantropia, da caridade e do adjutório.
Não subestimem o cinismo que oculta a surdez: fala-se muito mas nada se ouve. Conversa de urubu com bode. Na mentalidade popular a palavra conversa reveste-se da mais variada acepção, e nem sempre positiva, lábia, mentira, rodeio, logro, enganação, segundas intenções.

Louvável a retórica de Lula mantendo nugas públicas com o neto mimadinho de Roberto Campos no Banco Central.

Não fraqueje, presidente. Amunhecar-se é dar força para os milionários. Leonel Brizola citava Luís Vaz de Camões: “Fraco rei faz forte a fraca gente”.
Lula pegou o golpe de 64 já concluído, não foi sua vítima primeira, ao contrário do que sucedeu com ele na sequência do regime de Jair Bolsonaro construído por Michel Temer e Sergio Moro.

O líder do PT comeu o pão que o diabo amassou com Jair Bolsonaro que foi o seu Garrastazu Médici. Cruel, sádico, impiedoso. Não se sabe se a alma católica de Lula irá perdoar o judiciário e a TV Globo. Vai, vai, claro que vai, amém.

Jair Bolsonaro farsante. O seu antecedente foi Collor com a fábula telenovelitica “o caçador de marajá”, o candidato que não foi manufaturado nas Agulhas Negras e sim na TV Globo. Atônito diante de seu sucesso eleitoral, se apegou na mentira como explicação, mas Sarney e FHC, respectivamente com o Plano Cruzado e o Plano Real, foram mentirosos e manipuladores da caridade, da filantropia, enfim, malabaristas da moeda.

Evoco Oscar Wilde, The Soul of Man Under Socialism, por ter refletido sobre o que é ser pobre. Lula fala menos de classe social que de pobreza, o que revela a influência católica. A televisão é a ‘‘justiça divina’’.

O eleitorado evangélico de Bolsonaro tem horror a pobre. A verdade, estribada nos escritos de Oscar Wilde, é que Jesus Cristo nunca disse serem os pobres necessariamente boa gente e os ricos gente ruim. Mais do que o rico, não há ninguém que pense tanto em dinheiro quanto o pobre. O pobre não pensa em outra coisa. É isso a miséria de ser pobre.

Editado por Ênio Silveira em 1967, A Memória de um Soldado, de Nelson Werneck Sodré, é um livro extraordinário que devia ter sido lido por Luiz Inácio Lula em seus 526 dias de prisão. Werneck Sodré escreveu sobre os generais de 1945 para cá, data que prepara o suicídio de Getúlio Vargas em 1954, e com a posse de Juscelino surge o conceito de conciliação com o imperialismo até Lula.

Nelson Werneck Sodré tematizou os traços essenciais das Forças Armadas. O seu livro foi publicado durante a ofensiva do FMI e dos sucessivos golpes gorilas, República Dominicana, Brasil, Bolívia, Argentina. Três anos depois da queda do presidente João Goulart, derrota política mais do que derrota militar. Estudioso de Lênin, o historiador das Forças Armadas não viu nesse período nenhum indício de situação revolucionária. Recusou a atitude dogmática de considerar as Forças Armadas como a vanguarda da revolução nacional. Lembrou o papel do Exército na guerra do Paraguai, os milhões de libras esterlinas enchendo a burra da monarquia contra o regime de Solano Lopes.

O historiador uruguaiano Vivian Trias, conhecedor da obra de Lênin tal qual Nelson Werneck Sodré, assinalou em El Paraguay de Francia EL supremo a la Guerra de la Triple Alianza (1975) o caráter subimperialista do Mauá Bank, o barão moço de recado dos Rothschild, o barão latifundiário na Argentina que financiou a guerra contra Rosas, enfim, um típico burguês latino-americano vendepatria como Bartolomeu Mitre e Raul Prebisch.

O império brasileiro via com olhar paranoico o Rio da Prata, tanto que em 1816 guerreou contra artistas e contra Rosas em 1852. Se for rastreada a gênese da extrema direita, o seu arsenal ideológico estará no integralismo e no gorilismo de 64. O crédito de Rothchild dado a Mauá culminou nas becas fordistas e rockfellerianas do Cebrap. O roteiro de Glauber Rocha era filmar o sociólogo FHC pelado na fronteira do Paraguai, o seu corpo nu pintado com urucum e jenipapo. Os signos guaraníticos. A guerra etnocida e genocida do Paraguai provocou a balcanização do continente, por onde configurou-se um Exército em meio à burguesia subordinada aos banqueiros da Lombard Street.

A “burguesia exógena”, de que falava Vivian Trias, confirma a subordinação do país aos interesses estrangeiros, seja dos Rothchilds, seja dos Rockfellers. O príncipe da moeda na fronteira do Paraguai não é de modo algum uma arbitrária fantasia do cineasta sem fundamento histórico. É que as Forças Armadas, nos momentos de desnacionalização, inclinam-se inevitavelmente para os paradigmas do Banco Rothchild e do Banco Rockefeller. De Barão de Mauá a Paulo Guedes.

Destaca-se o Marechal Henrique Batista Duffles Teixeira Loft contra a penetração de empresas estrangeiras. Vale ressaltar, de olho nas querelas sobre o Banco Central durante o terceiro mandato de Lula, que já durante a presidência de Jânio Quadros o candidato que teve apoio de Carlos Lacerda e Foster Dulles, a economia havia sido entregue a Roberto Campos e sua equipe tecnocrata.

Aqui não cabe esmiuçar o enredo contraditório do presidente Jânio Quadros que acabou sendo despachado pelo imperialismo, depois de enviar à conferência de Puenta de Este o banqueiro Clement Mariani e Leonel Brizola, o governador do Rio Grande do Sul. Na conferência em que estava presente Che Guevara, o qual havia se encontrado com o presidente argentino Frondizi em Uruguaiana, o ministro Clemente Mariani não seguiu o que havia sido prescrito pelo presidente Jânio Quadros. Episódio nebuloso esse de Puenta Del ‘est. Escreveu Nelson Werneck Sodré em Memória de um Soldado: "algo deve ter acontecido, porém, porque no Brasil, a ofensiva contra a política externa de Jânio recrudesceu, enquanto se realizava a reunião de Punta Del Este.
Até que ponto Jânio acertava com Frondizi, presidente argentino, em encontro ocorrido em Uruguaiana, poucoantes, determinada conduta? Frondizi, por seu lado, encontrou-se com Ernesto "che” Guevara, na passagem do representante cubano para a/referida conferencia, o que determinou os círculos militares platinos. De qualquer forma, o imperialismo determinou a liquidação de Frondizi e de Jânio que começava a tornar-se perigoso."

Vivian Trías sublinhou que a renúncia de Jânio Quadros se deveu a um projetado tratado de Uruguaiana concebido por Leonel Brizola com o objetivo de retomar o pacto de Vargas e Peron. A renúncia de Jânio foi pressionada por cauda disso, e não por enigmáticas "forças ocultas". Assim, da renúncia de Jânio Quadros à queda de João Goulart haveria um nexo de sentido quanto ao domínio imperialista. Chamou-me a atenção a convergência de enfoques entre os historiadores Vivian Trias e Werneck Sodré. Este participou ativamente da campanha do marechal Lott contra Jânio Quadros, o candidato escolhido pelo capital estrangeiro, o qual pouco distava de JK.

Fato é que no que tange ao relacionamento externo do país, a sagacidade manobrista de Jânio Quadros ludibriou muita gente, inclusive os seus adversários. O que intriga é a simpatia do governador Leonel Brizola por ele, e que foi assim comentada pelo historiador Werneck Sodré em 1966 "Brizola, por exemplo, era sempre bem recebido com presteza e agrado e atendido em suas pretensões, ligadas à situação de crise que o Rio Grande do Sul atravessava". A técnica insidiosa de Jânio: "reprimia as forças democráticas e progressistas e, simultaneamente procurava atrair as suas figuras mais destacadas como indivíduos". Passados alguns dias de sua denúncia, Leonel Brizola o criticou porque tinha ojeriza à desistência de quem foge da luta política. Condenou também o entreguismo de JK que é visto pelo liberalismo democrático como a fina flor do homem político equilibrado e estadista, elogiado por Sarney, Collor, FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro.

Várias vezes afirmou Leonel Brizola o seu critério para julgar o caráter de determinado governo: o de aproximar-se a Vargas ou JK. O governo João Goulart foi considerado "fraco" por Leonel Brizola e Werneck Sodré. Débil na tomada de decisões, e em dar ordens para as Forças Armadas, que é uma "máquina de ordens", segundo Arturo Jauretche. Ainda que não se deva personificar em demasiado, as Forças Armadas dependem formalmente da vontade do presidente da República. O problema tal qual ocorre com o empresariado, basicamente estrangeiro, é que as Forças Armadas carecem de ideário nacional. Quem manda em tudo é o empresariado estrangeiro como em 1954 e 1964 contra Getúlio Vargas e João Goulart.

Lula não manda para correr o representante de Roberto Campos no Banco Central, ou seja, o domínio do capital estrangeiro na economia do país. O bolsonarismo e seus agentes estão instalados no Banco Central e no governo de São Paulo.

À exceção o marechal Henrique Teixeira Lott, a intervenção militar desde a década de 50 primou por seu caráter antidemocrático. Esse processo desnacionalizante culminou com a milícia de Jair Bolsonaro; destarte, o objetivo do imperialismo não é senão destruir as Forças Armadas. "General do povo" - a fantasia da esquerda - foi substituída por miliciano das multinacionais fazendo contrabando de pepitas preciosas.

Não se limpou ainda a nódoa da farda de 1964, e isso afeta a superação do subdesenvolvimento, pois este não pode ser erradicado sem que atuem as Forças Armadas.Se agora as Forças Armadas tiverem algum protagonismo, provavelmente será anti-Lula. A oficialidade jovem não mudou de fisionomia, os mesmos chavões anti-comunistas datam da Primeira Guerra Mundial.

O generalato que participou do Haiti sangrento está informado que Lula não tem coisa alguma a ver com marxismo. Nunca teve. Peão, proleta e depois líder sindical, mas imbuído do credo católico, burguês, democrático e filantropo. A sotaina jesuítica fez a cabeça do ABC paulista. O que sobreveio com o desejo de governar para os pobres foi a fraseologia moral da justiça. O professor lukacsiano José Paulo Neto escreveu um belo e justo livro sobre o historiador e general Nelson Werneck Sodré.

Gilberto Felisberto Vasconcellos - Sociólogo (UFJF), escritor e jornalista.

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