segunda-feira, 3 de abril de 2023

 

De repente, lobista 


Caía o fim de tarde, o skyline alaranjado coroava uma vista estonteante no topo de um prédio da avenida Faria Lima. Nas demais mesas, homens com camisa branca apertada e calça social e mulheres aloiradas riam cada vez mais alto enquanto chegavam drinques coloridos a R$ 33 cada. Em breve, haveria uma festa no descolado restaurante rooftop: um dos garçons montava os aparelhos de som e a mesa do DJ. E eu, um peixe totalmente fora d'água, estava ali para encontrar um importante executivo da mídia e tentar convencê-lo sobre a importância do jornalismo independente. 

É assim que funciona o lobby. Um dia, você está num rooftop na Faria Lima, no outro está tomando um latte num café hipster no centro e no outro você está no Palácio do Planalto, vendo do lado de dentro o estilhaço do vidro que ficou imortalizado na polêmica foto de Gabriela Biló retratando Lula. Fui parar em todos esses ambientes nos últimos meses como presidente da Ajor, associação de mídias digitais que reúne, de maneira inédita no Brasil, desde grandes veículos como o Terra, meios digitas inovadores, como a newsletter Meio, e iniciativas de comunidades como o Datalabe, site de jornalismo de dados da favela da Maré, no Rio.

Estive em ambientes em que raramente entrei como repórter  – isso, porque sempre cobri a vida que corre nas ruas e sobre o chão de barro. Fui a gabinetes no Congresso Nacional onde entrei poucas vezes como jornalista: me custava entender que história havia dentro daqueles corredores sem janela, se a vida acontecia toda lá fora.

A vida segue, mas há algo que eu aprendi – que todos temos que aprender, se de fato queremos dar uma segunda chance à nossa democracia no momento pós-Bolsonaro. É preciso lutar por ela.   

Foi assim que, de repente, virei lobista. Ou, em uma palavra mais da moda, estou aos poucos aprendendo a fazer advocacy

Não se assuste, leitor, estou obviamente exagerando. Sou e continuo sendo jornalista, repórter, mas nos poucos meses que me restam à frente da Ajor, decidimos, coletivamente, que seria fundamental levar a visão desse grupo de meios digitais para uma discussão que eu já mencionei aqui, o PL das Fake News, que tem agitado atores diferentes no Congresso, no governo e fora dele. Além de regular as Big Techs, o projeto prevê que plataformas de redes sociais, sites de busca e aplicativos de mensageria instantânea paguem a empresas jornalísticas, mas de maneira direta, o que, sem nenhuma transparência, só reforça distorções no mercado brasileiro e aumenta a concentração dos meios. Assim, decidimos tentar convencer os homens que há décadas participam desses espaços de poder de que há um novo jornalismo pulsante em todo o Brasil e, para fortalecer esse campo, o ideal seria uma política de apoio ao jornalismo que incluísse um fundo público, com transparência e governança clara. 

Mas eu não vou aborrecê-los com detalhes da proposta. Nem é esse o nosso foco aqui na newsletter. Em vez disso, compartilho uma reflexão que tem me convencido da importância do advocacy não só para os jornalistas, mas para todos os setores da sociedade. Em especial nesse momento. 

Confesso que demorei muito para entender o que significa o advocacy. Como jornalista investigativa, mantive por muito tempo uma visão crítica sobre a política e os políticos – todos – e achava que se envolver em política era algo intrinsecamente sujo. Que a corrupção estava em buscar o interesse de grupos diversos. Uma visão infantil, mas que marcou o debate público brasileiro (e boa parte de cobertura da imprensa) na última década. É a visão que ajudou a criminalizar a própria política, a própria troca e negociação entre grupos diversos que querem participar da sociedade e ter voz.  

Quando Lula diz “a polarização é boa”, é disso que ele está falando: é bom que grupos opostos entrem em embate no campo da opinião pública e no campo da política. Senão, o que resta é a violência.  

 

Criminalizando a política, afastando-nos dela como algo sujo e corrupto, o resultado é o que vimos: chega algum oportunista como Bolsonaro ou Trump dizendo que todos os governos civis são corruptos e apenas ele, com seu modo autoritário de governar e seu sonho de se aferrar ao poder, pode nos salvar a todos.
   

Se derrotamos, por muito pouco, a narrativa bolsonarista de um Brasil evangelizado, militarista e autoritário, agora é tempo de repensar a política e repensar a participação da sociedade civil. E aí que vai ter mulher tatuada e de cabelo esquisito no Congresso falando sobre apoio a jornalismo, sim.

Nesses parcos meses de reuniões, aprendi algumas coisas sobre como são feitas as leis. Primeiro, os congressistas são generalistas, ou seja, têm que ter opinião sobre uma gama quase infinita de assuntos sobre os quais não conhecem nada – e tem grupos muito bem estruturados dando a eles o que importa: informação. 

Por isso, a ausência da sociedade civil nesses espaços é ainda mais maléfica. Se não tiver gente das mídias digitais conversando com parlamentares, quem vai dar o tom serão os mesmos de sempre – no nosso caso, a briga maior é entre Globo, Google e Facebook

Segundo, há uma nova leva de parlamentares que chega nessa casa com muita vontade de pensar soluções novas para problemas antigos, e que abrem seus gabinetes para ouvir grupos da sociedade sobre seus problemas, demandas e sonhos. 

Outra coisa: com o avanço da regulamentação do lobby, surgem empresas e organizações que trabalham para ajudar grupos da sociedade a melhor incidir nos debates. Porque é preciso, primeiro, fazer a lição de casa: saber fatos e informações verídicas sobre o problema em questão. Como outros países solucionaram esse problema? O que aconteceu por lá? Quais são as questões tipicamente brasileiras que têm que ser levadas em conta? 

Se você não tiver um papelzinho com tudo isso explicado, vai perder o debate. 

A boa nova é que, aos poucos, nossa sociedade civil está aprendendo a cruzar esse rubicão – e isso torna-se cada vez mais importante se queremos melhorar a nossa falha e desigual democracia. 

Existe por exemplo o Advocacy Hub, uma escola de advocacy voltada apenas para a sociedade civil. Desde 2017, o hub dá aulas para turmas fechadas sobre como fazer advocacy, o papel da mobilização pública e da comunicação... e por aí vai. Estão inclusive formando uma rede nacional de profissionais de advocacy, para fomentar a sociedade civil de regiões e localidades, também, a organizarem suas demandas junto a casas legislativas e executivos em todo o Brasil. 

Sabemos que o Bolsonarismo avançou enormemente em municípios graças a grupos de lobby locais: igrejas, associações de produtores rurais etc. E assim, vão passando leis como o Escola Sem Partido, liberalizando regulações ambientais etc. Se não há grupos que resistam, ou que imponham pelo menos um custo alto para leis do tipo, vocês sabem, eles acabam passando a boiada.  

Na política, diz-se que não existe vácuo de poder: assim, é preciso que sociedade civil ocupe, também, esses espaços. 


  


Natalia Viana
natalia@apublica.org
Diretora Executiva da Agência Pública

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