Fluxos Financeiros
A máquina mortífera dos paraísos fiscais
Países em desenvolvimento perdem 16,3 trilhões de dólares em transações ilegais, mostra estudo
Alamy/Fotoarena

As Ilhas Virgens Britânicas acolhem 12,6% do dinheiro de brasileiros enviado a paraísos fiscais e as Ilhas Cayman, 57% do total.
Segundo
estudo divulgado em dezembro pela organização estadunidense Global
Financial Integrity, dedicada a investigar e denunciar os fluxos
financeiros internacionais ilegais, e o Centro de Pesquisa Aplicada da
Escola de Economia da Noruega, desde 1980 os países em desenvolvimento
perderam 16,3 trilhões de dólares em transações internacionais.
A sangria abrange grandes vazamentos
nos balanços de pagamentos, movimentação ilícita de dinheiro por meio da
falsificação de valores nas faturas de transações comerciais
internacionais (trade misinvoicing) e transferências financeiras registradas.
Esses recursos representam imensos custos sociais pagos pelos cidadãos de todas as nações em desenvolvimento. CartaCapital
selecionou os trechos a seguir do importante levantamento, intitulado
“Fluxos financeiros e paraísos fiscais: combinando-se para limitar a
vida de bilhões de pessoas”.
Os países em desenvolvimento, mostra a pesquisa, efetivamente serviram como credores líquidos para o resto do mundo e os paraísos fiscais desempenharam um papel importante na fuga de capital não registrado.
Em 2011, a parcela da riqueza total
daquele grupo escondida naqueles redutos foi avaliada em 4,4 trilhões de
dólares. A subtração desses recursos exacerbou a desigualdade, minou a boa governança e o crescimento econômico.
O investimento estrangeiro direto líquido
acumulado do Brasil em paraísos fiscais atingiu 25,8 bilhões de
dólares, segundo o levantamento. As Ilhas Cayman eram o destino
preferido, com 57% do total das aplicações, seguidas das Ilhas Virgens
Britânicas, que arrebanhavam 12,6%.
Parece ter ocorrido uma mudança no
destino predileto do dinheiro brasileiro, do Panamá, um dos refúgios
mais frequentes em 2008, para as Ilhas Cayman e as Ilhas Virgens
Britânicas. O movimento nessa direção prossegue.
Luxemburgo foi o principal paraíso fiscal
com os maiores fluxos de investimento direto estrangeiro no Brasil,
equivalentes a 57,5% do total, seguido das Ilhas Virgens Britânicas, com
10%. Luxemburgo foi o maior investidor estrangeiro direto no Brasil no
período de 2008 a 2013.
A análise da Global Financial Integrity e
da Escola de Economia da Noruega é a mais abrangente realizada até hoje
das transferências financeiras globais que impactam os países em
desenvolvimento e se concentra especialmente nos efeitos nocivos dos paraísos fiscais offshore.
Uma porcentagem das remessas financeiras lícitas é incluída também,
pois nem sempre é possível desagregar os componentes dos dados de fluxos
e depósitos obtidos legal ou ilegalmente.
Desde o início dos anos 1980, as transferências de recursos líquidas (NRT, em inglês)
de todos os países em desenvolvimento foram negativas e assumiram
grandes proporções, uma indicação de que as nações desse bloco perderam
montantes significativos de modo contínuo.
O resultado confirma-se tanto em valores
nominais quanto em porcentagem do Produto Interno Bruto. Estimativas
mostram fluxos ilícitos para quase 82% de todas as movimentações de
recursos líquidas do grupo.
No centro desse percurso desafortunado estão os centros offshore
que facilitam as transações financeiras criminosas, corruptas e de
evasão fiscal, com um impacto mais prejudicial nas parcelas pobres da
população.
Não é aceitável a argumentação de que o
pequeno papel dos paraísos fiscais em negócios legítimos justifica a sua
função extremamente danosa na intermediação de operações ilícitas, que
são os principais componentes das transferências líquidas nos países em
desenvolvimento.
Provavelmente, não há um motor mais
potente da desigualdade do que a combinação de fluxos financeiros
ilícitos e paraísos fiscais offshore. Esses mecanismos e
entidades facilitadoras beneficiam os ricos e prejudicam a classe média e
os pobres. Os movimentos financeiros ilícitos favorecem principalmente
quem escapa das tarifas alfandegárias, do Imposto sobre Valor Agregado e
do Imposto de Renda.
- O maior fluxo de investimento estrangeiro direto no Brasil provém do paraíso fiscal Luxemburgo (Alamy/Fotoarena)
Os investimentos em portfólio (nos
mercados financeiro e de capitais) dos residentes de países em
desenvolvimento realizados nos paraísos fiscais aumentaram de 129,3
bilhões de dólares no fim de 2009 para 182 bilhões em dezembro de 2012, o
último ano para o qual há dados disponíveis.
Cerca de 90% dos integrantes do bloco não relataram, ou
registraram sob cláusula de confidencialidade, as suas posições em
portfólios naqueles esconderijos de dinheiro ilegal. As estimativas
subestimam, portanto, os valores ocultados.
Os paraísos fiscais detêm mais ativos em
portfólio nos países em desenvolvimento do que os últimos investem nos
primeiros e aumentaram sua posição de 834 bilhões de dólares em 2009
para 1,2 trilhão em 2012.

Perto de 60% dos países em
desenvolvimento não informaram, no entanto, dados de investimento
estrangeiro direto (em participações ou no controle de empresas) e as
estimativas subestimam a posição real. A posição de IED dos paraísos
fiscais naquele grupo era de 1,1 trilhão de dólares em 2009 e
praticamente dobrou em 2012, quando atingiu o total de 2 trilhões.
As ligações financeiras entre paraísos
fiscais e países desenvolvidos, tanto em termos de investimentos de
portfólio quanto em investimento estrangeiro direto, são muito mais
fortes do que entre aqueles redutos de sonegadores e transgressores de
todos os tipos e as nações em desenvolvimento. Somadas as duas
modalidades, os residentes desse bloco tinham 1,2 trilhão de dólares
ocultados nesses refúgios em 2009 e três anos mais tarde o total subiu
para 1,5 trilhão.
Com base nos números do banco de dados do
FMI e aplicando-se a porcentagem de ativos bancários mantidos em
paraísos fiscais segundo o BIS, conclui-se que os residentes de países
em desenvolvimento detinham naqueles esconderijos de dinheiro ilegal 1,8
trilhão de dólares em 2005 e 4,4 trilhões em 2011, o último ano para o
qual há dados disponíveis da última instituição.
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