O
PROTAGONISMO DOS EXCLUÍDOS
Frei
Betto
Todo esse
fluxo migratório que o papa Francisco chama de Terceira Guerra Mundial é fruto
do que Europa e EUA plantaram na Ásia, África e Oriente Médio. Foram séculos de
colonialismo brutal. E quem garante que, hoje, os drones que atiram
bombas no Afeganistão e na Síria como chuva abundante, não ceifam a vida de
inúmeros civis inocentes?
Devemos
esperar que o camponês, ao ver a propriedade agrícola da sua família ser
destruída por um drone, e matar seu avô, pai e irmão, e o bebê de sua irmã, se
refugie agradecido no Ocidente?
“A paz só
virá como fruto da justiça”, dizia o profeta Isaías, sete séculos antes de
Cristo. Ou seja, jamais virá como mero equilíbrio de forças.
Por que
razão os donos do Ocidente (a Europa Ocidental e os EUA) estenderam, durante
décadas, tapete vermelho para as famílias (Bashar) al-Assad, da Síria; Hussein,
do Iraque; Kadafi, da Líbia; e, de repente, todas foram jogadas no lixo da
história? A resposta está na evolução do comércio de petróleo.
Política é
muito importante. Mas nem todos devem ser políticos. É preciso ter vocação e,
de preferência, decência também. Porém, em qualquer atividade fazemos política.
Tomamos posição em um mundo desigual. Não existe neutralidade. Em tudo ajudamos
a manter ou a transformar a realidade; dominar ou mudar; oprimir ou libertar.
Essa foi a postura de Jesus.
Quando me
perguntam por que me envolvo com política,
por via pastoral ou dos movimentos sociais (pois nunca me filiei a partido
político), respondo: porque sou discípulo de um prisioneiro político.
Jesus não
morreu doente na cama. Morreu como Vladimir Herzog: preso, torturado, julgado
por dois poderes políticos, e condenado à pena de morte dos romanos, a cruz.
Por que foi
condenado, se era tão espiritualizado, tão santo? Ora, que tipo de fé temos
hoje que não questiona essa desordem estabelecida? Condenaram-no pela mesma
razão que você, leitor, seria, de maneira preconceituosa, se começar a dizer
que o mundo não tem saída fora do socialismo.
Mas o
socialismo foi derrotado, e você ainda é socialista? Haverá futuro para a
humanidade sem a partilha dos bens da natureza e do trabalho humano?
Ora, dentro
do reino de César, Jesus de Nazaré anunciava um Reino de Deus! Para ele, o
Reino de Deus ficava na frente, no futuro histórico. Anunciar um Reino de Deus
no reino de César era alta subversão.
Jesus não
veio fundar uma Igreja ou uma religião. Veio nos trazer as sementes de um novo
projeto civilizatório, baseado na justiça e no amor. E que resumiu na expressão
própria da época (Reino de Deus), que hoje quase nada significa para nós (ainda
mais na América Latina, que não tem nenhum reino). Ele veio trazer as sementes
do projeto de um mundo como Deus quer. Basta ler as Bem-aventuranças (que
explico em Oito vias para ser feliz, editora Planeta) e o Sermão da
montanha - um mundo de partilha, como na chamada multiplicação dos pães.
Na Declaração
Universal dos Direitos Humanos são merecedores de direitos aqueles que têm
certo nível de vida. Para Jesus, ao contrário, a pessoa pode ser cega, coxa,
hanseniana, excluída - ela é templo vivo de Deus, dotada de ontológica
sacralidade! Eis a radical defesa dos direitos humanos.
O marxismo
europeu, por exemplo, graças ao qual a modernidade avançou em termos de
inclusão social, nunca defendeu os direitos indígenas, como fez o marxista
peruano Mariátegui. Até se entende a razão, pois é uma filosofia, um método
criado na Europa, onde quase não havia índios. Mas também nunca defendeu o
protagonismo dos moradores de rua, chamados de lúmpem proletariado. Ou seja,
seriam os beneficiários de um futuro projeto socialista ou comunista, mas não
protagonistas.
A diferença
é que, para Jesus, todos são chamados a serem protagonistas. Ou como conclamou
o papa Francisco aos jovens, no Rio, em 2013: “Sejam revolucionários, vão
contra a corrente!”
Frei Betto é escritor, autor do romance
“Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.
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