segunda-feira, 23 de julho de 2012

DEPOIMENTOS SOBRE AS SEMENTES DA PAIXÃO

Segue abaixo a síntese das falas mais representativas da discussão:
- Quando vejo essa sala cheia de sementes e agricultores, lembro-me dos meus avós que não tiveram essa valorização. As suas práticas com as sementes e agricultura familiar não foram escritas, mas foram narradas de pai para filho e hoje fazemos esse resgate. Agora, com a valorização, estamos escrevendo essa história das sementes.
- Hoje a política dos BSCs traz alegria, a relação que os agricultores têm com as sementes é a mesma que têm com a terra e a chuva. Há mais de 100 anos isso deveria já estar sendo valorizado e reconhecido.
- Seria lamentável se esse trabalho não tivesse começado. Meus avós plantavam e a pobreza era tão grande que não podiam guardar as sementes no depósito. Misturavam em cinza e guardavam, ou então no silo de sementes, com areia e milho até lá em cima. Hoje, com o conhecimento, sabemos várias dicas sobre como conservar as sementes. Além disso, as sementes antigas estavam se acabando: na minha região mesmo, poucas pessoas ainda têm as sementes tradicionais dos avós. Eu que sou cuidadoso ainda tenho as sementes das antiguidades, por conta desse trabalho, que é muito importante para resgatar a semente de antigamente. Tem semente que chega para nós, de fora, que pode ser boa em outra região, mas para mim a semente que veio do governo não foi boa: para uma área dá bom fruto, para
8 outra não dá bem. Veio um feijão macassa que não foi bem, mas em outra região foi. Não quero criticar a semente do governo, mas a nossa semente que guardamos é adaptada e dá bem para as várias regiões do Cariri.
- Participo da Rede de Sementes do Pólo e fui convidada a participar do lançamento do Brasil Sem Miséria em Solânea. É com tristeza e indignação que vemos um programa do governo que restringe as variedades dos agricultores. Um programa que traz a questão da miséria como foco principal, lançando uma ou duas variedades, enquanto existe uma enorme quantidade de sementes que ao longo da história os agricultores vêm conservando. Isso gera uma sensação de raiva mesmo, vontade de tocar fogo naquelas sementes. Isso desconsidera um conhecimento a respeito do que, ao longo da história, foi o que trouxe a soberania alimentar. Daí perguntamos: qual o papel da pesquisa? Se for trazer conhecimento e autonomia para os agricultores/as ficamos felizes. Mas se for para aumentar a submissão às sementes únicas, das empresas, então de que serve?
- Tenho orgulho de dizer que sou guardião das sementes há 36 anos, pois em 1984 começaram o BSCs, sem contar o trabalho e a vida dos meus pais, e tenho o orgulho de dizer que planto a semente que meus pais e os avós plantavam. Esse conhecimento é um patrimônio. Quando acordamos estávamos perdendo essas sementes, por causa das políticas públicas muita gente foi se entregando. Queria que meus pais ouvissem que aquilo que eles faziam no passado, hoje está bem conquistado. O ponto mais importante é a libertação, viver com o que é nosso e viver com o que nós temos. E é com a contribuição dos nossos antepassados que hoje estamos vivendo a nossa libertação.
- Quando essa semente sai do nosso meio, o prejuízo é para a agricultura familiar, para a segurança alimentar. Antigamente, há 35 anos, não podíamos plantar com vantagem, não tinha como: as sementes estavam nas mãos dos políticos, prefeitos, vereadores, para ganhar voto com nossa falta de organização. Hoje é diferente, temos semente garantida para nosso plantio, com vantagem. Antigamente víamos filas pra enfrentar um vereador. Hoje, com orgulho, muitos agricultores estão libertados desse tipo de sacrifício que a gente já passou.
- Gostaria de começar falando da semente da paixão. Qual é a semente da paixão? Está bem mostrado: temos sementes da paixão e todos veem aqui um pouquinho da diversidade que temos. A da paixão é aquela realmente da paixão: ela é boa, se adapta à nossa realidade e a gente gosta dela. A gente só se apaixona por aquilo que presta. Nós temos aqui na região sementes que vieram para cá por dois caminhos: Seguro Safra e, agora, Brasil Sem Miséria. O que acontece: há lugares em que plantamos uma só qualidade de feijão, 20 kg de feijão, e 2 ou 3 qualidades de milho. É uma contra realidade! Que a semente serve, serve. Tem algumas sementes que vieram do governo e se adaptaram em alguns lugares. O problema são as políticas de sementes. É o mesmo que botar cangalha nova em jumento velho: a pisada vai ser a mesma, a cangada não muda. Com as políticas é a mesma coisa. Um agricultor aqui planta 30-40 variedades. Vem o cabra e diz para ele plantar 2 ou 3 que vão "botar" com 40 dias. Mas aqui não bota mesmo, porque não chove. E o outro problema grande é o armazenamento, pois se não armazenarmos, não temos segurança. O motorista tem o estepe para continuar a viagem quando o pneu fura. Para o agricultor é a mesma coisa: ele precisa de armazenamento,
9 se não, não funciona. A semente do Brasil Sem Miséria é um absurdo – com todo respeito à companheira Dilma. Esse Brasil que ela diz, sem fome, não vai ser com ‘s’ não, vai ser com ‘c’.
- Esse processo de formação que vem se dando pela ASA-PB e diversas redes no Nordeste não vem só resgatando as sementes, mas também a cultura e a organização de comunidades. Estamos conseguindo criar formas importantes de conservação das sementes. Cresci vendo pessoas da família adoecendo e se suicidando pelos agrotóxicos usados para conservar as sementes. E o processo de formação possibilitou encontrarmos várias formas alternativas de conservação. Descobrimos que a pimenta malagueta plantada em associação com os cultivos é muito mais eficiente do que aquela pilha venenosa. E isso tem sido importante para eliminarmos o uso de agrotóxicos de nossas casas. A semente que vem de fora já vem envolvida com uma camada de agrotóxicos. Quando essa semente é fornecida para os animais, é veneno puro sendo dado aos animais. Mas agora muitas prefeituras estão divulgando para o povo pegar as sementes, que o povo não está querendo, não aceita mais desse veneno que o governo insiste em distribuir.
- Faço parte de cooperativa de agricultores que se organizou a partir da necessidade de ter sementes na hora de plantar. Fomos nos organizando em rede, através da ASA, para ter acesso à água e às sementes. A semente existe no nosso meio, mas ainda não é respeitada nos programas. Estamos nos apoiando na ASA para garantir que a política pública seja de qualidade e respeite as nossas culturas, de produção e de vivência. Mas também precisamos ver como apoiar o trabalho a partir dos programas, especialmente com relação à quantidade de produtos: temos variedade, mas não uma quantidade significativa de sementes. E quando chegamos na discussão do apoio governamental, exigem quantidade. Daí ficamos nesse jogo, como se não soubéssemos o que estamos fazendo. Mas a partir da nossa luta vamos fazenda a diferença.
- Parabenizo as ONGs que participam desse importante evento, bem com outros que vêm valorizando essas dinâmicas dos agricultores. E fico pensando no movimento sindical que temos no nosso país. Está acontecendo em Brasília o "Grito da Terra Brasil", com 140 itens de pauta. Penso: será que o tema das sementes não é importante para o movimento sindical discutir em Brasília com o governo federal e os governos estaduais? Vemos a importância das sementes da paixão para a preservação do meio ambiente e para a valorização da agricultura familiar, e fico triste em saber que há uma grande representação dos trabalhadores rurais, que tem uma grande força, que poderia somar se o movimento sindical tivesse esse comprometimento. Ficamos tristes quando os sindicatos chamam os agricultores para pegar as sementes que chegam na prefeitura, sem discutir o que essas semente significam para eles. Esse é o meu repúdio e precisamos nos organizar para reprovar essas atitudes dos movimentos sociais que não querem aderir à luta.

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