163 trabalhadores libertados da escravidão - e estamos só no começo No apagar das luzes do primeiro quarto do século 21, a justiça agiu. 163 trabalhadores chineses foram resgatados do terreno da fábrica da montadora BYD em Camaçari, na Bahia, por uma força-tarefa do Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública da União, Ministério Público Federal, e polícias federal e rodoviária; o executivo foi representado pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Era 26 de dezembro de 2024, e eles sofriam condições de trabalho análogo à escravidão.
Um mês antes, uma reportagem da Pública, escrita por André Uzêda e editada por Bruno Fonseca e Mariama Correia, já denunciava a situação precária: umas das fotos aterradoras mostrava um homem caído no chão depois de ter levado um chute nas costas dos seus supervisores. Segundo trabalhadores ouvidos pelo repórter, os castigos físicos eram comuns, os mestres de obras chineses os golpeavam com pontapés e socos para que cumprissem as metas do apertado prazo para conclusão das obras, em janeiro. A fábrica pretende produzir 300 mil carros por ano.
A precariedade era maior entre os trabalhadores da terraplanagem, contratados pela empresa chinesa Jinjiang Group, subcontratada da BYD. Nos alojamentos, a sujeira e a aglomeração tomavam conta. Os banheiros, imundos, aparecem nas fotos com água amarelada entupindo as pias. Alimentação precária e sem condições de estocagem e higiene. As jornadas de trabalho eram extenuantes: 12 horas por dia, de domingo a domingo.
Semanas depois, quando os órgãos públicos libertaram os trabalhadores, verificaram que a situação era ainda pior: camas sem colchões, panelas de comida abertas no chão para alimentação do dia seguinte, um banheiro para mais de 30 trabalhadores: eles eram obrigados a acordar às 4h pra poder ir fazer as necessidades antes de começar o trabalho, às 5h30. Exausto, um trabalhador sofreu um acidente depois de labutar sem descanso por dias a fio.
Mais: os contratados tiveram que pagar um “caução” para cobrir os custos da viagem da China até o Brasil, e por isso 60% do salário era retido pela empresa. Tiveram seus passaportes apreendidos e, se quisessem rescindir o contrato, teriam que pagar multas altíssimas – quem desistisse antes de completar 6 meses não receberia um tostão.
A inauguração da fábrica, como apontado na reportagem, foi apadrinhada não só pelo governador Jerônimo Rodrigues como pelo governo Lula, como parte da aproximação com a China e do fortalecimento de uma empresa que tem ameaçado o reinado da Tesla, empresa de Elon Musk. A BYD da Bahia pretende ter capacidade de produzir 300 mil carros por ano.
Depois da inspeção, a chinesa Jinjiang Group mandou os 163 trabalhadores para um hotel e teve seu contrato suspenso pela BYD. A montadora agora está negociando com o MPT como resolver a situação desses funcionários. Que fique claro, a força-tarefa não aconteceu por causa da nossa reportagem; desde novembro havia uma série de fiscalizações sendo realizadas na fábrica, embora, como exposto no texto, até então os órgãos competentes não tivessem nem vistoriado os alojamentos precários. A existência do inquérito só foi anunciada no site do MPT um dia depois da nossa reportagem. No dia 2 de dezembro, a CEO da BYD, Stella Li, o governador da Bahia e o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), tiveram que responder sobre a reportagem durante uma visita à fábrica. Foram pressionados pelos colegas da imprensa. No mesmo dia, informaram que os mestres-de-obra que espancavam trabalhadores teriam seu visto cancelado.
Publicar – nosso compromisso primevo e essencial – trazer à luz do dia, chamar a atenção para o caso ajudou a fortalecer uma ação rodeada de pressões e interesses políticos de todos os lados.
A repercussão causada pela força-tarefa, com manchetes em todos os principais noticiários do país, só reforça o papel do nosso jornalismo no Brasil de 2025.
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