“78% da Ucrânia tem parentes ou amigos que foram mortos nesta guerra. Em cada família. No próximo ano, será ainda mais. Entendemos que um cessar-fogo não vai parar a guerra. Só fará uma pausa de um ou dois anos e, depois disso, a Rússia vai atacar novamente”.
Uma coisa ele sabe: a Rússia está readequando sua economia para aguentar uma guerra prolongada – e, para Valeriy, se não houver paz neste ano, as consequências serão terríveis. “No próximo ano, eles estarão preparados”.
A guerra é essencialmente uma operação econômica. Trata-se de uma enorme e custosa empreitada para destruir coisas – destruir gente, sim, mas também destruir casas, vigas de metal, concreto, telhados, destruir asfalto, redes de eletricidade, refinarias de petróleo e usinas, destruir tudo o que alguém com algum esmero ou ganância ou mesmo corrupção construiu. Destruir armas enormes do inimigo, destruir aviões, caças, sistemas de alarme antiaéreo, nomes que as pessoas aprendem a nomear e a sentir a estranha alegria quando uma delas é destruída e vira sucata. A guerra também é o ritual de celebrar a destruição de coisas caras e custosas. E o esforço de inventar novas coisas que ajudem a destruir ainda mais objetos do inimigo.
“Se você me pergunta: a guerra dá certo ou dá errado? Depende pra quem”, me explica pelo telefone, semanas depois, o professor Rodrigo Amaral, da Faculdade de Relações Internacionais da PUC-SP. “Ela dá certo para os atores do complexo industrial bélico, e os EUA são os maiores. Aliás, essa é uma grande linha argumentativa daqueles que falam das 'endless wars', as oportunidades de guerras intermináveis e, com isso, potencializar o mercado da tecnologia bélica. Quando você olha pra Guerra ao Terror isso fica explícito, a tecnologia de drones, por exemplo, é uma novidade que vai sendo desenvolvida ao longo da Guerra ao Terror”.
Nomes como f_34, mirage 2000-5, fighters, caças F-16, Sukhoi-57, mísseis Kh-59, Kh-69, FAB-500M-62 vão entrando no vocabulário e nas conversas cotidianas das pessoas. As armas são fabricadas nos Estados Unidos, Reino Unido, França, Polônia, Alemanha, Rússia, Irã. Velhas armas soviéticas vão sendo remodeladas para novos usos e sites especializados vão se deliciando com as novidades – os ucranianos têm usado, por exemplo, um drone de nome Baba Yaga, lendária bruxa escandinava, para atacar alvos na linha de combate. Os russos por sua vez criaram a FAB-500, de 500 quilos, uma bomba soviética modificada pela adição de asas estabilizadoras e auxílio à navegação.
A guerra está mudando a economia da defesa. Essa é uma guerra do século 20, lutada a pé por trincheiras e avanços por tropas formadas por gente pobre, gente cansada, gente obrigada a ir lutar, disputada rua a rua em cidades que estão nos mil quilômetros de linha de contato. Mas é também uma guerra do século 21, onde os drones, por exemplo, têm mudado o cenário – vê-se pela quantidade de anúncios de batalhões de drones que buscam voluntários nas ruas de Kiev. No começo da nossa caminhada por Kiev, que se seguiu à conversa com o embaixador, demorei pra entender o que eram esses outdoors com imagens de soldados carregando armas, todas com um quê de propaganda de Hollywood. Depois, entendi: é preciso seduzir os jovens para virarem soldados.
São muitos e se viam por toda a cidade, naquele entardecer, quando fomos levados a uma caminhada turística com uma guia, Natasha, bastante animada, de olhos azuis bonitos e maquiagem carregada, um terninho e sapato azul com franjinhas. Fico feliz ao conhecer minha quase xará e cometo uma gafe: digo que meu nome tem origem russa, ao que ela responde, ríspida: "Russa não, eslava!". Passeamos pelos pontos mais conhecidos da cidade, cheia de pessoas aproveitando a tarde quente. Na praça diante do Ministério do Exterior, tanques enferrujados apreendidos dos russos viraram uma escultura permanente. Um cartaz de aluguel de patinete diz que espera o turista depois da vitória. Uma parede azul diante do cemitério virou um enorme painel de homenagem a milhares de soldados mortos desde 2014. Todos seus rostos estão na parede. Um homem toca piano na rua, do outro lado do caminho peatonal. |
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