O Brasil recomeça só agora a olhar para essa situação, depois de ter ficado anos sem lidar com o problema.
O país tem desde 2009 uma Política Nacional sobre Mudança do Clima, que estabelece a a necessidade de agir em duas vertentes do problema: mitigação (que é reduzir as causas do aquecimento global, combatendo as emissões de gases de efeito estufa) e adaptação (que é preparar o país para lidar com as consequências que virão mesmo se as emissões caíssem a zero de um dia para outro).
Os anos passaram, medidas foram tomadas para reduzir as emissões (principalmente por meio do combate ao desmatamento da Amazônia, que chegou ao menor nível em 2012), mas a adaptação foi ficando de escanteio. Só em 2016, às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff, foi lançado um Plano Nacional de Adaptação. Mas sua criação se deu por meio de uma portaria do Ministério do Meio Ambiente, ele não foi encampado por outras pastas e nunca chegou a ser implementado.
A realidade é que até hoje a maior parte do Brasil praticamente não conta com nenhum tipo de preparo nem em termos de prevenção nem para lidar com agilidade de modo a conter perdas, a evitar mortes. Daí a fala de Sarah: “Os erros do governo são erros que nos matam”.
Ela pedia que as comunidades afetadas sejam realmente integradas à tomada de decisões. “O governo vai continuar errando se não estiver com a gente, se não escutar o povo, se não for uma conversa direta e misturada. Não é só virem aqui os técnicos e tome número que você não entende. É uma conversa direta de quem sofre isso na pele, quem está na linha de frente com a arma apontada na cabeça porque está defendendo o seu território”, afirmou.
Uma das coisas que se busca corrigir agora é justamente a ausência dessa perspectiva (não havia o conceito de justiça climática no plano de 2016), mas também a falta de integração com outros ministérios.
O novo plano de adaptação, que se insere em um esforço mais amplo de construir um Plano Clima para o Brasil, será construído no âmbito do Comitê Interministerial (CIM), criado no começo do ano, com 19 ministérios. Sob comando da Casa Civil, é esse grupo que vai definir as ações do país contra as mudanças climáticas. Passados nove meses, porém, o comitê ainda não se reuniu até hoje.
O evento de segunda-feira, considerado o pontapé inicial desses trabalhos, reuniu uma parte desse grupo, as titulares dos ministérios do Meio Ambiente (Marina Silva), da Ciência (Luciana Santos), dos Povos Indígenas (Sonia Guajajara) e da Igualdade Racial (Anielle Franco). Justamente as que já conhecem de cor e salteado o tamanho do problema.
Eu tive a oportunidade de estar neste mesmo evento. Fui convidada a abrir os debates e pude me dirigir diretamente às ministras. Como jornalista que cobre há mais de 20 anos esta agenda, fui instada a trazer algumas provocações ao debate e uma das coisas que apontei foi a falta de todos os outros ministérios naquele evento.
Por que estávamos ali falando de justiça climática sem a presença da Agricultura, das Minas e Energia, da Fazenda, da Casa Civil? Se são eles os gestores dos setores que mais têm a ver com injustiças já praticadas no país.
É tudo uma questão de tempo.
O drama da humanidade estar alterando todo o sistema atmosférico do planeta é que os eventos extremos – que sempre aconteceram – tendem a ficar mais frequentes, mais intensos.
A primeira parte do último relatório do IPCC, lançada em agosto de 2021, apontou que eventos de temperaturas extremas que antes ocorriam uma vez a cada dez anos, agora já ocorrem provavelmente 2,8 vezes nesse mesmo período. Situações de ondas de calor que antes ocorriam uma vez a cada 50 anos, agora provavelmente ocorrem 4,8 vezes.
“Em escala global, projeta-se que eventos extremos diários de precipitação se intensifiquem em cerca de 7% para cada 1ºC de aquecimento global. A proporção de ciclones tropicais intensos (categorias 4-5) e as velocidades máximas dos ventos dos ciclones tropicais mais intensos devem aumentar em escala global com o aumento do aquecimento global”, escrevem os cientistas no sumário para tomadores de decisão.
Antes de Sarah, a secretária Nacional de Mudança do Clima, Ana Toni, apresentou uma série de dados sobre como o país já está sendo afetado e deu uma dimensão numérica do problema. Citando dados de um estudo do Banco Mundial, ela mostrou que desastres no Brasil no período de 1991 a 2021 resultaram em 4.374 mortes, 8,25 milhões de desabrigados e 98,57 milhões afetados de algum modo (a maior parte nos estados de SC, MG e RS).
Entre 1995 e 2021, apontou, os danos e prejuízos de desastres climatológicos, hidrológicos e meteorológicos (que incluem estiagem e seca, enxurradas, inundações, deslizamentos e vendavais e ciclones) foram da ordem de R$ 537 bilhões. “Custa muito não se adaptar, custa muito não combater as mudanças do clima”, resumiu.
“Adaptação não é mais uma opção. Ela é absolutamente necessária. A emergência climática é uma realidade e a gente tem de lidar com ela. Se a gente não tiver o olhar da justiça climática [nesse processo], a gente poderá condenar algumas comunidades a um estágio de pobreza eterno se a gente não tiver a perspectiva da justiça climática como um pilar da política climática”, reconheceu.
Ana Toni e sua chefe, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, sabem que é preciso ter pressa. Em entrevista à Agência Pública nesta semana, Marina detalhou que espera em breve ter uma política nacional de enfrentamento às consequências dos eventos extremos. “Não posso pagar para ver”, disse Marina. “A gente não tem tempo climático, assim como não tem tempo político”, frisou a secretária.
O Brasil perdeu tempo, perdeu pelo menos seis anos em que muita coisa poderia ter sido feita para proteger vidas. Quantos ainda vão morrer no Brasil até que se tenha um plano de adaptação à mudança do clima? |
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