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sexta-feira, 29 de setembro de 2023
Por que Saúde e Educação estão em risco
Após o arcabouço, Haddad aventa eliminar pisos constitucionais que protegem direitos básicos. Desejo de agradar a Faria Lima pode minar bases do governo. Lula terá que assumir o comando da economia, se quiser fazermais e melhor
Publicado 19/09/2023 às 17:02 - Atualizado 19/09/2023 às 17:04
Foto: Pedro Gontijo/Senado
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O complexo processo de superação da ditadura militar em nosso país só foi plenamente concluído com a adoção de uma nova carta constitucional. Em 5 de outubro de 1988 foi promulgada aquela que o deputado federal Ulysses Guimarães chamava de Constituição Cidadã. O parlamentar eleito pelo PMDB/SP presidiu os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, evento que coroou o fim do período autoritário iniciado com o golpe de 1º de abril de 1964. Porém, além de enterrar aquela triste fase da tragédia política e social, o novo texto também lançava as bases de um projeto de sociedade porvir, com uma inegável preocupação com o bem-estar de sua população e com o futuro de uma nação desenvolvida e justa.
O desenho inovador completará 35 anos de vigência no mês que vem. No entanto, desde o início de sua vigência a nova Constituição contou com a oposição dos setores vinculados ao grande capital e ao sistema financeiro. Assim, ao longo dessas três décadas e meia os descontentes poderosos patrocinaram uma série de emendas e alterações no texto maior. O objetivo declarado sempre foi o de reduzir o espaço para o protagonismo do Estado e estimular a transferência ao setor privado daquelas responsabilidades pela oferta de serviços públicos e direitos de cidadania. Essa estratégia de privatização se apoia na entrega de setores de atividade típica do Estado ao capital e no estrangulamento das capacidades do setor público em continuar cumprindo com suas missões de oferecer políticas públicas à maioria da população.
Um dos mecanismos concebidos pelos constituintes para assegurar as condições para implementar as políticas sociais consideradas essenciais foi a vinculação expressa de recursos orçamentárias para as mesmas. Mais do que isso, nossa Constituição prevê que a Lei Orçamentária Anual seja composta por 3 peças: i) orçamento fiscal; ii) orçamento de investimento das empresas estatais; e, iii) orçamento da seguridade social. Este último deve conter o detalhamento de receitas e despesas da previdência social, da saúde e da assistência social. No entanto, desde o início da vigência da nova ordem essa importante organização das finanças públicas tornou-se letra morta e o orçamento da seguridade social converteu-se, na prática, em uma mera rotina para cumprimento formal da exigência constitucional.
Constituição de 1988 e os avanços sociais
Por outro lado, a Carta contém também dispositivos para viabilizar a montagem e a sobrevivência dos sistemas das políticas sociais. Trata-se de destinar de forma direta recursos financeiros para a previdência social, para a saúde e para a educação. No primeiro caso, temos a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos, com recolhimento dos empregados e dos empregadores. No caso da saúde, o art. 198 da Constituição estabelece que a União deve aplicar no sistema um mínimo de 15% da receita corrente líquida do mesmo exercício. No que se refere à educação, o art. 212 prevê que a União destine o equivalente a 18% das receitas auferidas com impostos para as diferentes áreas do sistema educacional.
Essas garantias de recursos orçamentários sempre foi objeto de crítica por parte das correntes ortodoxas da economia e dos “especialistas” em finanças públicas a serviço dos interesses do capital. Ao clamar contra esse tipo de “dirigismo” a favor dos serviços públicos, os proponentes da privatização e da austeridade fiscal recorrem à imagem do engessamento da peça orçamentária e sugerem a desconstitucionalização de tais medidas. Afinal, a lógica da extração de superávit primário a todo custo e a implementação de outras medidas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, o extinto teto de gastos e o atual novo arcabouço fiscal apontam para a necessidade de reduzir as despesas de natureza social. Tudo passou a ser resumido na pérola falaciosa e tendenciosa: “a Constituição não cabe no Orçamento”.
A realidade dessas mais de três décadas foi o crescimento paulatino da oferta de serviços privados de previdência, de saúde e de educação. A redução do teto dos benefícios previdenciários abriu um enorme campo para o crescimento dos planos de previdência complementar, seja por meio dos planos individuais oferecidos pelas instituições abertas, seja através dos fundos de previdência fechado. Na área da saúde, apesar da enorme contribuição e da brava resistência oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), os sucessivos governos sempre cederam às pressões dos grandes grupos privados nacionais e internacionais. Assistiu-se a uma impressionante elevação do número de beneficiários de planos de saúde privada, além de um aumento expressivo da quantidade de hospitais particulares. Pouco a pouco os serviços de saúde são transformados em mercadorias, em uma dinâmica que atende mais a critérios de avaliação como preço e lucratividade dos empreendedores e menos a indicadores como qualidade de vida e saúde pública.
Previdência, saúde e educação são sabotadas desde então
No setor educacional verificou-se um movimento semelhante, de forma que o capital privado expandiu sua participação em todos os níveis do sistema de educação, desde a infantil até a superior. Fundos financeiros nacionais e estrangeiros ampliaram de forma bastante agressiva sua presença no conjunto das atividades do setor. A tradição da educação pública e gratuita foi sendo substituída pela presença crescente do ensino privado e pago. A exemplo do que ocorre na saúde, os critérios que passam a nortear os rumos dos conglomerados são associados à lucratividade, de forma que o balanço entre custos e receitas dos empreendimentos educacionais são mais relevantes do que a qualidade do serviço oferecido.
Pois agora, mais recentemente, a política de teto de gastos desde 2016 e a entrada em vigor do novo arcabouço fiscal durante este ano trouxeram de novo à agenda a questão dos pisos constitucionais de saúde e educação. À medida que a lógica da austeridade fiscal cega e burra ganha espaço, um dos resultados é a compressão generalizada das despesas orçamentárias não-financeiras. No entanto, a existência dos pisos vinculados às receitas da União assegura um mínimo de recursos para saúde e educação. Assim, a sanha austericida encontra um obstáculo nos dispositivos constitucionais que preveem essa garantia. Como o bolo total das despesas não pode crescer como deveria por conta das imposições do extinto teto escancarado e do novo teto disfarçado, as demais áreas sociais acabam sendo ainda mais comprimidas.
Nem Guedes ousou eliminar os pisos da Constituição
E aí surgem os arautos do catastrofismo para apresentar soluções tão milagrosas quanto trágicas. Paulo Guedes falava em seus famoso “ 3Ds”: desestatizar, desvincular e desconstitucionalizar. Nesse roteiro de destruição completa do Estado, o ex-ministro propunha privatizar todas as empresas estatais e eliminar as garantias mínimas para saúde e educação. Apesar de toda essa bravata, não conseguiu avançar o quanto desejava. Promoveu terra arrasada das instituições públicas, vendeu algumas estatais, mas não conseguiu mexer nos pisos de saúde educação.
A grande surpresa, porém, tem sido a política econômica leva a cabo por Fernando Haddad no terceiro mandato de Lula. Para fazer referência ao título do artigo, causam apreensão nos setores progressistas as declarações de integrantes dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento apontando para necessidade de eliminar os tais “engessamentos”. Ao assumir para si o discurso derrotado da direita, o governo corre o risco de fazer o serviço sujo que os neoliberais e ortodoxos não ousaram ou não conseguiram implementar enquanto estiverem no poder.
Mas as iniciativas em prol da austeridade não pararam por aí. A jogada mais recente foi uma emenda apresentada pelo deputado federal do Partido dos Trabalhadores à lei orçamentária para o presente ano. Zeca Dirceu (PT-PR) apresentou de última hora uma medida para liberar o governo de cumprir o mínimo de 15% para o total de gastos com a saúde em 2023. A malandragem foi estabelecer que deverão ser utilizados para o cálculo os valores das receitas da União estimadas em janeiro e não os valores reais da arrecadação federal, que vêm crescendo ao longo dos meses.
Face a essa situação que mistura trapalhadas com doses de oportunismo e pitadas dos interesses pesados do capital privado, é fundamental que o presidente Lula assuma para si a tarefa de orientação da política econômica. Ela já assistiu no passado a episódios semelhantes com Antonio Palocci e Joaquim Levy no comando do Ministério da Fazenda. Lula sabe que a implementação de seu programa de governo depende de uma flexibilização desta abordagem ortodoxa de austeridade fiscal a todo custo. Não combina com sua biografia substituir o “fazer 40 anos em 4” por medidas que vão colocar a pá de cal nos sistemas de saúde e educação públicas do Brasil.
Estudo pioneiro mapeia os grupos que acumularam riqueza e poder, enquanto o país regredia. Quais são. Como se favoreceram com as políticas neoliberais, a ponto de chantagear Estado e sociedade para impor seus interesses
Publicado 26/09/2023 às 20:34 - Atualizado 27/09/2023 às 16:24
Imagem elaborada e publicada peloThe Telegraph
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Título original Quem está no comando? Poder entre grupos econômicos hegemônicos no Brasil Texto publicado originalmente naRevista Pesquisa e Debate,da PUC-SP – Edição 35 – Disponível na íntegraaqui
O que aqui nos cabe tentar mostrar é o enorme nível de controle privado sobre a coisa pública, dificultando sobremaneira e cada vez mais, a condução da sociedade pelo Estado. Em outros termos, a economia brasileira, uma das maiores do mundo, é dominada por pouquíssimos atores individuais e privados cujas metas e estratégias, por óbvio, respondem somente aos próprios interesses particulares. Ao fazermos uma comparação simples entre alguns dos principais números das grandes empresas, como lucro e patrimônio, com, por exemplo, PIB e orçamento público federal, observamos que o poder corporativo privado se equivale ou supera, ao menos quantitativamente, as somas governamentais. Há, portanto, uma forte intuição, o que nos habilita à formulação de uma hipótese, de que as corporações não são meramente agentes econômicos em um contexto de liberdade de mercado, mas que constituem um poder efetivo de determinação social e política. Nosso objetivo é refinarmos a compreensão do controle corporativo privado exibindo-o a partir da dissecação dos vínculos acionários entre as principais empresas que atuam no território brasileiro. Chegamos à conclusão, baseados na metodologia da Análise de Redes Sociais, de que uma ínfima quantidade de empresas privadas e pessoas controlam a maior parte da economia brasileira com destaque para os setores de energia, finanças e saúde; além das pessoas físicas de Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto da Veiga Sicupira e Marcel Herrmann Telles, notórias também por despontarem como os maiores bilionários do país, bem como por possuírem, entre outras marcas famosas, as empresas atualmente mais poderosas que atuam em território nacional: a Eletrobrás, a Ambev e as Lojas Americanas. Esta última, como se sabe, sacrificada por um desfalque de mais de R$ 48 bilhões.
O peso das corporações transnacionais em nível mundial
Somos informados a respeito das atividades governamentais, sobre como exercem o seu poder, e no quadro de que marco legal e instituições. Somos desinformados também, mas os embates são públicos. Não é o caso do mundo corporativo, que se apresenta com o nome neutro e coletivo de “mercados”, sem que tenhamos informações adequadas acerca de como funcionam. Foi preciso esperarmos 2011 para que surgisse o primeiro estudo mundial sobre o universo do poder corporativo, através da pesquisa sobre“A rede de controle corporativo mundial”, do instituto de pesquisa suíço ETH44. Indo além das estatísticas de quanto “vale” cada corporação, medidas pelo valor das ações, os autores calcularam quanto poder de controle cada corporação exerce sobre outras corporações, por meio de aquisições de ações, de tomadas cruzadas de participação. O resultado é que surgiu a cadeia de controle de cada corporação, dentro de uma rede interativa. Os resultados impressionaram muito: 737 corporações apenas, no nível mundial, controlam 80% do mundo corporativo (conforme veremos, nossa pesquisa obteve o mesmo percentual no Brasil), e 147, o “núcleo duro” do poder, controla 40%1.
A pesquisa gerou forte impacto mundial, pois passamos a ter os dados concretos da dimensão do poder que os gigantes corporativos exercem sobre a sociedade em geral, poder que se materializa na supervisão das decisões dos governos, no controle das informações da mídia e na facilidade com a qual mudam as leis em função dos seus interesses. Exercendo o seu poder em escala mundial, articuladas em diversos foros internacionais, passaram a superar amplamente o poder de decisão das esferas governamentais: regem a dimensão global, enquanto os governos no mundo estão fragmentados em 193 países que disputam poder e interesses. Temos um poder corporativo global, mas não temos governança política mundial.
Ordens de grandeza ajudam. A BlackRock, gestora de ativos (asset management), administra US$10 trilhões, o orçamento federal dos Estados Unidos é de US$6 trilhões. Se somarmos duas empresas de mesmo perfil, State Street e Vanguard, chegamos a US$20 trilhões, perto do valor do PIB americano. O PIB mundial é da ordem de US$100 trilhões, mas o volume de transações no mercado de derivativos ultrapassa US$600 trilhões. O controle dos fluxos financeiros, da comunicação e da energia aparece como vetor central de exercício de poder financeiro, político e midiático2. Redes de dimensão planetária, colocam as suas residências fiscais onde pagam menos impostos, aproveitando inclusive os paraísos fiscais, para isentar seus recursos e também livrar-se de qualquer regulação e pedido de informações. O poder corporativo mundial se tornou o principal vetor de mudança planetária, com os impactos que hoje conhecemos sobre a desigualdade, os dramas ambientais e a volatilidade financeira3.
No conjunto, constatamos a extrema concentração do poder corporativo mundial, o seu peso dominante em alguns setores estratégicos em termos do futuro das nossas economias, a facilidade com a qual podem submeter as decisões governamentais aos seus interesses e escapar a qualquer regulação pelo fato de exercerem o seu poder no espaço global, enquanto os governos são nacionais. É neste quadro que empreendemos a dimensão brasileira da rede de controle corporativo, que reflete não só as dimensões propriamente nacionais, como a articulação com o poder corporativo global.
Os dados são de natureza quantitativa e foram coletados do anuário “Grandes Grupos – 200 maiores” elaborado e publicado pelo jornalValor Econômicodo Grupo Globo (edição de dezembro de 2019). O tratamento inicial dos dados foi dispô-los em duas diferentes planilhas do tipo Excel. A primeira delas associou um número diferente, em ordem cardinal crescente, para cada uma das 6.235 unidades empresariais (holdings e respectivas empresas associadas), sendo que a segunda planilha contém, a partir da relação dos números que identificam as unidades empresariais mencionadas, cada um dos 7.257 vínculos acionários. Na sequência, ambas planilhas foram importadas pelo software Gephi para que então assim fossem produzidos tanto os grafos quanto as estatísticas relacionais5.
A Análise de Redes Sociais (ARS), metodologia quantitativa utilizada nesta pesquisa, é fruto de um conjunto de conhecimentos que engloba desde a Teoria dos Grafos, passando pela Sociologia Matemática, Ciência dos Dados ou Big Data, Ciência das Redes e Sociologia Relacional somando-se a ferramentas computacionais6. Por meio da ARS é possível visualizar e medir com rigor estatístico as relações existentes em uma rede, sejam elas de amizade, trajetos aéreos ou rodoviários, transmissão de doenças, toda forma de poder político e quaisquer outros tipos de relações, inclusive vínculos acionários7. O potencial de análise é amplo.
A lógica em rede, base da ARS, é a mesma que estrutura a lógica neural do cérebro humano e dos mais avançados sistemas de Inteligência Artificial. Por exemplo, o Fundo Monetário Internacional (FMI), após a crise financeira global do ano de 2008, passou a se preocupar mais com o monitoramento, controle e previsão de crises financeiras. Com esse intuito, desenvolveu estudos8sobre a aplicação da ARS nesse aspecto. Para a entidade, é possível construir mapas de risco que investiguem potenciais exposições interbancárias, em nível nacional e internacional, tendo como conexões (arestas) os empréstimos entre as instituições, transferências de riscos de créditos (derivativos, por exemplo), relacionamentos de empréstimos entre instituições financeiras e quaisquer outros mecanismos financeiros que criem interdependência/vínculos (in)diretos e, consequentemente, possam provocar choques de liquidez com grande incidência de contágio e efeito dominó. A ARS pode identificar caminhos (paths) de contágio através dos indicadores relacionais e, com estes instrumentos, produzir simulações em constantes monitoramentos, inclusive entre setores financeiros e não-financeiros ou entre setores financeiros não-bancários.
Poderíamos citar várias outras áreas, mas para não nos distanciarmos muito do objetivo deste relatório, referimo-nos à área da saúde, especificamente da saúde coletiva. Há dois artigos9que estudam a transmissão da Covid-19 por meio da ARS e do Gephi. O primeiro deles estudou a pandemia na Coreia do Sul e o segundo na Índia. O princípio de ambos está fundamentado na ideia de que há dois fatores na determinação da disseminação da pandemia: o primeiro se refere às características físicas e químicas do vírus e a segunda à rede social onde o vírus está inserido. Entre as conclusões dos estudos está a confirmação de que removendo (isolando) ostop nodescom maior grau de saída, a infecção é reduzida significativamente. Em um dos estudos, além de se utilizar o grau de saída, também foi considerada a centralidade de intermediação. O intenso uso da ARS na pandemia da Covid-19 poderia ter possibilitado a instalação de um isolamento social inteligente. Ou seja, a partir da identificação dos endereços das pessoas contaminadas pelo vírus toda a cadeia de transmissão seria modelada em rede e assim isolada com maior rigidez as localidades que possuíssem os maiores indicadores sociométricos. Essa mesma lógica poderia ser aplicada em espaços como locais de trabalho. Além de menor prejuízo econômico para a população, certamente o número de internados e óbitos poderiam ser menores.
Possivelmente a referência metodológica mais importante para o presente trabalho, já mencionada, é o artigo de Vitali (2011)10. Partiram de um banco de dados com mais de 30 milhões de empresas para modelarem em rede 43.060 delas até, aplicando a Análise de Rede Sociais, identificarem 147 corporações (citadas anteriormente) como sendo o principal conjunto de controle corporativo global e, dessas, um cluster ainda menor com instituições financeiras como os hubs globais, de acordo com o que podemos observar abaixo:
Figura 1- Rede de controle corporativo global – núcleo principal – setorfinanceiro
Fonte: Vitali (2011)
Em nosso estudo, aplicamos a mesma metodologia científica, mas no nível do território brasileiro, além de inovarmos utilizando um indicador sociométrico a mais, conforme destacamos na sequência. Com esse fim, fizemos uso de índices (estatísticas) relacionais para medirmos e entendermos a economia corporativa modelada em rede, bem como para a visualização de sua topologia. Dessa forma, são três, essencialmente, as métricas aplicadas11: grau de saída,(outdegree), grau de saída ponderado(weighted outdegree)e centralidade de intermediação(betweenness centrality)12. O grau de saída mede a quantidade de conexões que parte de cada nó de uma rede para outro(s) e o grau de saída ponderado faz o mesmo, considerando o peso de cada conexão13. Também utilizamos outra medida, não adotada pelo artigo de Vitali (2011), que é obetweenness centrality, ou centralidade de intermediação, isto é, a capacidade que em uma rede o nó tem de ligar outros nós e até subgrupos, servindo como ponte.
Todos esses três índices medem o controle acionário da rede corporativa em território brasileiro composta por 7.257 vínculos, pertinentes a cada uma das 6.235 unidades empresariais encontradas em nosso estudo. É importante sublinhar que os graus de saída (ponderado e não-ponderado) fazem menção ao controle acionário direto de cada nó e a centralidade de intermediação consegue captar o controle indireto na medida em que identifica os nós-ponte.
No exemplo abaixo, o nó central, caso ele deixe a rede ou perca uma conexão, a própria rede em si deixa de existir. Tal hipótese extrema expressa o potencial da medida de intermediação.
Figura 2 – Sociograma com destaque para o grau de saída e centralidade deintermediação
Fonte: https://acesse.one/1EssN
O nó central, na figura acima, se desaparecer ou perder, por exemplo, sua conexão com o outro nó central, que está mais acima, provocará o desaparecimento da rede e o surgimento de duas novas. Esse é um dos cenários possíveis para a compreensão da importância da centralidade de intermediação, característica que foi consolidada com a ideia clássica sobre a força dos laços fracos, do sociólogo Mark Granovetter14. A centralidade de intermediação é baseada na ideia do controle exercido por determinado ator a respeito das relações sobre outros atores. Quando, por exemplo, dois atores não são adjacentes (diretamente conectados), eles dependem de outros atores do grupo para suas trocas ou eventuais relações, especialmente atores que se encontram no caminho entre eles e que tem a capacidade de interromper a circulação dos recursos (qualquer tipo de relação ou comunicação). Quanto mais um ator se encontra “no meio”, como ponto de passagem obrigatório por caminhos que outras pessoas (ou atores ou empresas) devem tomar para se encontrar, mais central ele será, desse ponto de vista. O nó com elevada centralidade de intermediação é um ator-ponte, é aquele que controla a comunicação na rede e a comunicação é a própria rede, isto é, sem comunicação não há rede15. É o nó que controla os fluxos da rede e quem controla os fluxos da rede, controla a rede. Um nó, com esse tipo de controle, pode ameaçar a rede, e, eventualmente, coagir ou pressionar a rede. Ainda na figura 2, observamos que o nó central, na parte superior do grafo, possui cinco conexões, a mesma quantidade do nó central, um pouco mais abaixo. Entretanto, este possui um poder maior na rede, pois controla o fluxo da rede, unindo os dois principais clusters ou subgrupos da rede. Portanto, possuir poucas conexões não significa, necessariamente, ser um nó pouco importante. Transportando o raciocínio para o caso em tela, a unidade empresarial que tiver a maior centralidade de intermediação será aquela que, individualmente, maior controle exercerá sobre a economia corporativa, pois é a que possui os mais elevados vínculos acionários indiretos, dominando os fluxos da rede. Em outras palavras, podem chantagear o país, controlar e manipular a economia nacional de acordo com os próprios interesses privados.
Resultados
Em um breve, mas apropriado panorama, o conjunto corporativo objeto de nosso estudo, segundo já assinalado, é composto por 200 holdings (estrangeiras, nacionais privadas e estatais) que integram 6.235 unidades empresariais. Esta rede responde por 63,5% do PIB brasileiro e, considerando que no país há 19,7 milhões de empresas ativas16, significa que quase 70% de toda a riqueza produzida no país está nas mãos de, ao menos, 0,03% das empresas. Nos resultados relacionais da presente pesquisa, veremos que os percentuais de controle corporativo são ainda bem menores. Para uma dimensão um pouco melhor do conjunto de nossa rede, a receita bruta dos 200 maiores grupos, no ano de 2019, foi de R$ 4,6 trilhões. Em comparação, o Orçamento realizado da União foi de R$ 2,7 trilhões17. Ou seja, a riqueza acumulada, em 2019, pelas 200 maiores corporações (0,03% das empresas de todo o país) foi quase 70% (69,7%) maior do que todos os recursos federais disponíveis para todas as políticas públicas nacionais destinadas aos mais de 210 milhões de habitantes18. Dos 200 maiores grupos, 6% é estatal; das 10 maiores holdings, 4 são bancos; a primeira é a Petrobrás (ao menos desde o ano de 2008); em 2019 quase metade (49%) do lucro líquido corporativo ficou com o setor de finanças19quando, no conjunto, houve uma queda de -2,2%.
Análise relacional: hubs e clusters da economia em território brasileiro
A rede de controle corporativo no território brasileiro possui 6.235 nós, ou seja, o que estamos chamando de unidades empresariais. Elas compõem 200 grupos (as holdings em si e respectivas empresas) entre entidades privadas nacionais, privadas internacionais, estatais de governos estrangeiros e estatais nacionais. As conexões, entre os nós que formam a rede, são 7.257 que representam o controle acionário entre elas, tratando-se, como é comum em redes maiores, de uma rede de baixa densidade20. O que nos interessa, fundamentalmente, é a análise relacional a partir do grau de saída, grau de saída ponderado e da centralidade de intermediação, conforme já detalhado no item metodologia. Quer dizer, são esses os indicadores sociométricos que possibilitarão a compreensão do controle corporativo no território brasileiro.
Controle acionário direto
Assim, considerando o grau de saída –outdegree(conexões que partem de um nó para outro), o 1% (top-holders) dos nós da rede empresarial que atua em território brasileiro (62 nós/unidades empresariais das 6.235) controla quase ¼ de toda a rede (21,7% ou 1.575 conexões das 7.257 conexões existentes). Estes 62 nós são os hubs, os concentradores da rede, conforme o grafo abaixo:
Gráfico 1 – Grau de saída da rede brasileira de controle corporativo – o 1%
Elaborado pelo autor
No grafo acima, os nós com maiores dimensões representam as unidades empresariais com grau de saída mais elevado, ou seja, são os nós com maior controle acionário direto, no caso, a Rede D´Or São Luiz e, conforme as dimensões dos nós vão diminuindo, os índices de graus de saída vão, consequentemente, também diminuindo. Abaixo, a rede com destaque para apenas os 62 maiores graus de saída, com suas respectivas identificações:
Gráfico 2 – Grau de saída ponderado da rede brasileira de controlecorporativo – o 1%
Elaborado pelo autor
Enfim, o 1% das empresas com maior outdegree (grau de saída) são, pela ordem: Rede D´Or, Vale, Petrobrás, AEGEA, Neoenergia, Alupar, Cemig, CSN, GV Holding, Bradesco, Suzano, Construtora Queiroz Galvão, Furnas, WEG (Áustria), Votorantim, Energisa, Copel, Eletrobrás, Odebrecht, Cyrela, Marcopolo, Raízen, Diagnósticos da América, BTG Pactual, Santander, Ipiranga, WEG Equipamentos Elétricos, State Grid Brazil, Fitesa, Itaú Unibanco, EDP Energias, Taesa, The Body Shop International (Reino Unido), Eurofarma, Janus Brasil Participações, Notre Dame Intermédica, Banco do Brasil, Chesf CEBE, JBS, CNO, Ambev, CPFL Energia, Klabin, Marfrig, Queiroz Galvão Desenvolvimento de Negócios, Cosan, Petrobrás Gaspetro, Minerva, Petrobrás International Braspetro (Holanda), Braskem, Saint Gobain, NX Saneamento, Natura, XP Investimentos, Somos Operações Escolares, CPC – Cia de Participações em Concessões, Nexa (Luxemburgo), Cia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista – CTEEP, BRF, Cutia Empreendimentos Eólicos, Gerdau e Camargo Correa.
É esse o super aglomerado de empresas e suas controladoras que possui o maior poder relacional sobre a rede corporativa em território brasileiro, portanto, as que guardam maior domínio econômico e, consequentemente, político. É sobre elas, por isso mesmo, pelo poder que possuem, que outros estudos aprofundados merecem atenção onde se deverá realçar e se investigar as suas próprias dimensões econômicas, políticas, geopolíticas, sociais e culturais ou ideológicas, inclusive de seus proprietários e principais gestores.
Controle direto: percentual de ações que se possui
Para aprofundarmos nossa análise, utilizamos também o grau de saída ponderado, quer dizer, levamos em conta o peso das conexões (percentual de controle acionário e não apenas o controle acionário em si), além de analisarmos por subsetor21e não por unidade empresarial individual, do 1% mais importante da rede, agora considerando o grau de saída ponderado (weighted outdegree)22. Observemos a tabela:
Tabela 1 – Top-holders: Subsetores da rede corporativa em território nacional com maiores índices de grau de saída ponderado (weighted outdegree) por quantidade de holdings e empresas identificadas por ordem decrescente
Elaborada pelo autor
São 21 variados subsetores da economia, sendo quatro deles vinculados ao âmbito energético: energia elétrica, petróleo, biomassa e petroquímica, mas também passando por áreas como higiene e beleza, agricultura, alimentos, educação entre outros. Limitando ainda mais a análise aos três primeiros subsetores mais importantes, temos, por ordem decrescente de importância: energia elétrica, finanças e saúde. Os três, juntos, concentram quase metade da quantidade de unidades empresariais (29 = 48%) do 1% que mais diretamente controla a rede corporativa em território brasileiro, tendo em conta, como já mencionado, o peso de cada um dos controles acionários diretos.
Assim, dedicando a investigação nos três primeiros subgrupos, constatamos que menos de 0,5% das unidades empresariais, que atuam em território brasileiro, detém enorme controle sobre a economia corporativa em território brasileiro. Sob esse viés, vejamos os detalhes quanto à origem do capital:
Tabela 2 – Super top-holders: três principais setores da rede corporativa – grau de saída ponderado
Elaborada pelo autor
Das 29 unidades empresariais (0,5% do total da rede), apenas 3 são do setor público, estando em primeiro lugar as empresas privadas de capital nacional (17) seguidas pelas de origem estrangeira (9). Percebe-se que o setor público, relacionalmente, ou já perdeu o controle sobre a economia ou está próximo desse cenário tendo em vista que é minoria no nível mais alto da esfera corporativa. Se acrescentarmos ao subgrupo da energia elétrica os setores de petróleo, petroquímica e biomassa, temos 35 unidades empresariais no total, o que pouco altera o percentual final (pouco menos de 0,6%). Lembramos que toda a rede (das 6.235 unidades empresariais) mantém praticamente 2/3 do PIB. Até o momento, em todas as análises relacionais deste artigo, chamamos a atenção para o fato de que os resultados diferem, substancialmente, do ranking que leva em conta os critérios tradicionais como receita bruta, patrimônio líquido, lucro líquido e rentabilidade, conforme são comumente adotados, inclusive por nossa fonte de dados23. Em outras palavras, o poder em uma rede, no caso em uma rede sobre os mais relevantes atores econômicos de um país, não é, necessariamente, exercido pelos atores de maior destaque nos critérios tradicionais referidos.
Nessa pesquisa, podemos entender como as grandes empresas e holdings podem proceder para elevar sua capilaridade ou penetração no controle acionário da economia corporativa brasileira: adquirir ações de unidades empresariais com maiores índices relacionais, sejam eles o grau de saída, o grau de saída ponderado ou a centralidade de intermediação, esta última utilizada logo na sequência. Por exemplo, o movimento de privatização da Eletrobrás mostra que a aquisição, se não orientada relacionalmente, foi a melhor possível sob esse ponto de vista.
Voltando à análise do universo de toda a rede, outra importante constatação está no fato de que os 20% dos nós (1.247 nós) com maior outdegree controlam 80% das conexões (5820) de todas as existentes na rede (7.257), realidade que vai ao encontro do padrão do Princípio de Pareto e que, graficamente, é demonstrado pela Lei de Potência, quer dizer, a menor parte dos nós concentra ou controla a maior parte das conexões. Essa é uma das características estruturais de qualquer rede.
Centralidade da Eletrobrás e o trio Lemann, Sicupira e Telles (LST)
Um nó pode ser importante por sua densidade (quantidade e peso das conexões) e também no que diz respeito a sua posição na rede, isto é, a dimensão topológica. O primeiro, em nosso caso, remete aos graus de saída (ponderado e não-ponderado) e o segundo à centralidade de intermediação. A centralidade de intermediação é, nesse sentido, uma forma de identificar o controle e o poder em uma rede. Quanto maior esse índice, maior o controle do fluxo da rede e controlar o fluxo da rede significa controlar a própria rede. Assim, por exemplo, para que uma unidade empresarial amplie seu controle acionário na rede pode-se tanto buscar o aumento da própria centralidade de intermediação quanto a conexão com um nó que o possua em elevadas proporções.
Essa é a condição da Eletrobrás na rede de controle corporativo brasileira posto que detém a maior centralidade de intermediação, conforme examinamos na sequência. Por essa razão, ao ser privatizada, o setor público transferiu uma enorme capacidade estratégica, de atuação na economia nacional, para a iniciativa privada. E não se trata de qualquer iniciativa privada, mas sim dos bilionários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto da Veiga Sicupira e Marcel Herrmann Telles (LST), respectivamente a primeira, terceira e quarta maiores fortunas brasileiras. Juntos, somam um patrimônio pessoal de quase R$ 160 bilhões24. Por meio do fundo 3G, além da Eletrobrás, o trio controla ou participa de forma significativa de holdings e empresas como a Kraft Heinz, Restaurant Brands International (Burger King e Tim Hortons25), Lojas Americanas, São Carlos Empreendimentos, ClearSale, Submarino etc. Representada no grafo abaixo pelo nó central e que possui maior dimensão, a Eletrobrás está no centro da rede; seguida pela holding Itaú Unibanco, um pouco acima, a direita; depois a Vale, em cima, do lado esquerdo; a Cosan, na sequência, na faixa central horizontal, mais para o lado direito, e assim segue a sucessão das onze maiores, que podem ser melhor compreendidas com auxílio da tabela 3 e do grafo 4.
Gráfico 3 – Centralidade de intermediação – rede total
Elaborado pelo autor
Gráfico 4 – Centralidade de intermediação – 10 maiores índices
Elaborado pelo autor
Destacando a Eletrobrás, para entendermos mais os níveis de poder e manobra, assim como os interesses desse trio, podemos examinar, mesmo que brevemente, a estrutura armada e comandada por eles.
Paraísos fiscais, Ambev, Lojas Americanas e novamente o trio
Um dos principais pontos de referência para o exame do grupo de bilionários apontado é a empresa BRC Sarl (BSL). Localizada no minúsculo Luxemburgo, conhecido paraíso fiscal, este nó possui a sétima maior centralidade de intermediação da rede corporativa em território nacional, de acordo com a tabela 3 abaixo. Ou seja, uma empresa, que nem mesmo possui website e cuja sede é excepcionalmente trivial, constitui uma das mais influentes do Brasil.
Tabela 3 – Os onze maiores índices de centralidade de intermediação da rede corporativa em território brasileiro
Elaborada pelo autor
Trata-se de uma empresa, a BSL, por meio da qual mais facilmente se pode adquirir outras. Ela é uma ponte, uma intermediária que eficientemente possibilita o controle da economia brasileira. A BSL possui265,661% das ações da holding Lojas Americanas (49º maior holding em território brasileiro), além de possuir 50% da Stichting Anheuser Busch Inbev (Holanda) que por sua vez é dona de 34,29% da Anheuser Busch Inbev SA NV (Bélgica) que tem 100% da Inbev Belgium SA (Bélgica) que tem 53,70% da Anheuser Busch Inbev Nederland Holding BV Holanda que tem 100% da Interbrew International BV (Holanda) que, enfim, controla 53,65% da Ambev S.A, esta o 13º maior conglomerado empresarial do Brasil e detentora dos seguintes índices relacionais: centralidade de intermediação de 1386 (12º maior) e grau de saída ponderado de 192 (33º maior). Importante ressaltar que são proprietárias da BSL outras empresas localizadas em paraísos fiscais da Ilha de Jersey, Bahamas e Holanda. Apesar dessa centralidade de intermediação, a BSL possui um baixíssimo grau de saída ponderado, o que não diminui, conforme podemos observar, seu poder na rede. Em outros termos, neste caso da Cervejaria Ambev: Lemann, Telles e Sicupira possuem, diretamente, todas as ações de algumas empresas em paraísos fiscais que, por sua vez, possuem todas as ações de outras empresas em paraísos fiscais e assim em mais três níveis de controles acionários em paraísos fiscais até se chegar na mencionada BSL. É realmente uma teia, uma rede que apenas pode ser claramente compreendida a partir da análise de rede.
Em relação às Lojas Americanas seu controle acionário está, também, nas mãos do referido trio LST. Tal controle ocorre por meio de empresas localizadas, novamente, em paraísos fiscais dos Estados Unidos, Bahamas, Ilhas Virgens, Ilhas Virgens Britânicas, Ilha de Jersey, Holanda e Luxemburgo. A importância relacional das Lojas Americanas na economia brasileira é grande, conforme nos mostram os índices de centralidade de intermediação e grau de saída ponderado, respectivamente, 560 (46º maior) e 63 (197º).
Retornemos ao foco Eletrobrás. Em relação ao à centralidade de intermediação, vimos que a Eletrobrás está na frente: 3343,5, 1º lugar27. Logo, é a empresa que mais facilmente, no país, pode acessar o controle acionário de outras empresas. Portanto, é, relacionalmente, uma das mais importantes empresas da rede, pois não só possui o maior índice de intermediação, mas também um dos maiores graus de saída (18º) e de saída ponderado (46º).
Além das empresas da própria holding (dezenas de centrais elétricas geradoras, transmissoras, termonucleares28, eólicas, comercializadoras de energia elétrica, empresas de participação e até construtora, todas espalhadas no território nacional – estando entre as mais conhecidas a Itaipu29e Furnas Centrais Elétricas, a Eletrobrás, possui participações acionárias em outras holdings: Cia Energética de Brasília (CEB), Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A., Cia Estadual de Energia Elétrica Participações CEEE-Par (Estado do Rio Grande do Sul), Cia Paranaense de Energia Copel, Equatorial Energia S.A. (grupo privado de controle nacional, mas com participação de grupos estrangeiros, como a BlackRock), ISA CTEEP (grupo estatal colombiano de energia elétrica) e State Grid Brazil Holding S.A. (grupo privado chinês de energia elétrica).
Soma-se ao amplo conjunto mencionado, conexões indiretas da holding Eletrobrás e de suas empresas diretamente controladas. Tal rede possibilita a liderança da empresa enquanto a principal intermediadora ou betweenner da economia corporativa brasileira. Privatizá-la significa, também por esse motivo, um péssimo negócio para gerações de cidadãos pagadores de impostos. Trata-se de uma clara perda de soberania econômica e, consequentemente, política. Privatizá-la também consiste, para o Estado, na perda de controle de comando sobre a economia brasileira e, mais do que isso, a transferência de tal controle para seus novos proprietários particulares.
Em um exercício crível de predição de relacionamentos (link prediction), para os atores privados mais influentes de nossa rede se tornarem ainda mais poderosos, a melhor estratégia é a aquisição de ações de unidades empresariais que possuem os maiores índices de centralidade de intermediação30. Nesse caso, as estatais mais cobiçadas para privatização seriam, por ordem decrescente: Companhia Paranaense de Energia (COPEL), Petrobrás, Centrais Elétricas de Santa Catarina (CELESC), Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG), Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal31. Por outro lado, seriam também essas as estatais aquelas que os governos não deveriam privatizar, caso tenham o interesse em se manterem protagonistas na rede corporativa. Retornando ao trio LST, propomos uma análise relacional sobre o poder desse grupo na economia brasileira atual, vejamos os dados:
Tabela 4 – Quantificação relacional das unidades empresariais controladas pelo trio LST
Elaborada pelo autor
Somando-se à centralidade de intermediação da Eletrobrás os valores das demais duas unidades empresariais (Lojas Americanas e Ambev), o índice é elevado em pouco mais de 58% alcançando o valor de 5.289,5. Para o grau de saída ponderado, há um acréscimo aior ainda: 157% para atingir, ao total, o índice de 418. Para efeitos de comparação deste último, o maior grau de saída ponderado do controle corporativo nacional é o da Rede D´Or São Luiz: 664. Com isso, minimamente podemos sugerir que o trio LTS acumula uma capacidade decisiva sobre a economia em território nacional. Para uma melhor dimensão da divisão de poder entre os capitais que atuam em território nacional, podemos comparar os números do trio LST com os índices do sistema financeiro e do Estado, considerando suas três esferas.
Ter 6.235 corporações representando, sozinhas, 63,5% do PIB, já constitui, por si, uma enorme concentração. Mesmo assim, vimos que a concentração, de acordo com a análise relacional, é ainda muito maior. Averiguamos que3320% (1.247) das empresas (nós) controlam 80% (5.820) do controle acionário34. Condensando-se ainda mais, apenas 1% (62) das corporações retém quase ¼ de toda a rede acionária: 21,7% ou 1.575 vínculos acionários dos 7.257 existentes. O encolhimento se intensifica quando apuramos que no seleto grupo, apenas três subsetores (pela ordem de importância relacional, energia elétrica, finanças e saúde) compõem quase metade (48%) do 1% acima mencionado. E entre este referido 0,5%, apenas três são corporações públicas: 17 são privadas e 09 são estrangeiras.
Em outros termos, de um universo de 19,7 milhões de empresas ativas no Brasil, apenas 62 (0,0004%) concentram 25% da economia corporativa e dentre esse percentual, 29 holdings pertencem a somente três setores da economia. Outra verificação paradoxal está no fato de uma empresa localizada em um paraíso fiscal, a BRC Sarl Luxemburgo, ser uma das mais importantes da economia brasileira, cujos três proprietários (Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto da Veiga Sicupira e Marcel Herrmann Telles), não coincidentemente, estão entre os principais bilionários e concentradores corporativos em território nacional, especialmente a partir do controle da Eletrobrás. Esta, como vimos, a empresa com maior capilaridade, ou influência, na rede pesquisada.
O estudo também confirma e prediz que o setor que está na mira dos grandes capitais privados, para a concretização de uma hegemonia completa da economia corporativa em território brasileiro é o setor de energia, com destaque para a energia elétrica. A recente privatização da Eletrobrás é um indício do que afirmamos. Em vista disso, é inegável que a economia brasileira está, cada vez mais, sob o comando de uma ínfima quantidade de empresas privadas e pessoas. Verificamos que por meio de privatizações e aquisições acionárias estratégicas, um diminuto grupo está, ao controlar a economia nacional, controlando o país e, por consequência, controlando ou limitando enormemente a execução de políticas públicas no campo econômico.
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1Vitali (2011). Para uma apresentação sumária da pesquisa, ver Dowbor (2012).
2Essas transformações são apresentadas de maneira sistemática em Dowbor (2020).
3Apresentamos essa análise em detalhe em Dowbor (2017).
4Para maior aprofundamento sobre a metodologia, coleta e modelagem de dados, bem como sobre o software, fórmulas e algoritmos utilizados ver Rodrigues (2023).
6Em minha tese de doutorado trato, principalmente nos capítulos 02 e 03, sobre as ciências constituintes da Análise de Redes Sociais. Rodrigues (2019).
7A lógica em rede, base da ARS, é a mesma que estrutura a lógica neural do cérebro humano e dos mais avançados sistemas de Inteligência Artificial.