Quando os EUA tiveram a chance de conter o aquecimento global, mas recuaram O ano era 1988, o verão nos Estados Unidos veio inclemente, pelo menos 36 pessoas morreram em uma onda de calor, enquanto uma seca severa se estendia por todo o país, devastando a agricultura. O país inteiro falava disso, enquanto cientistas eram convocados em audiência no Senado para responder a uma dúvida que parecia martelar na cabeça de todos ali presentes: isso tem a ver com o tal efeito estufa? A manchete do New York Times no dia seguinte não deixava dúvidas: “O aquecimento global começou”.
Aquele foi, então, o ano mais quente do registro histórico.
Era também ano de eleições presidenciais, e o candidato republicano, George Bush, que tinha servido por oito anos como vice-presidente de Ronald Reagan, abraçou uma bandeira de campanha hoje impensável no partido que tem como líder atual Donald Trump.
Em um discurso em Michigan, Bush pai afirmou: “Neste verão ouvimos falar muito do efeito estufa. Com o crescimento das nações no mundo, queima-se cada vez mais combustíveis fósseis, o que libera dióxido de carbono, que, por sua vez, contribui para o aumento das temperaturas na atmosfera. Há quem diga que o problema é grande demais e que é impossível solucionar o aquecimento global. Minha resposta é simples. Não só é possível, como deve ser feito”.
O tom era solene, carregado com a gravidade da situação. Ele, então, continuou: “Esses problemas não conhecem ideologia, nem limites políticos. Não se trata de uma questão liberal nem conservadora. Essa deverá ser a agenda comum, no futuro. Quem pensa que somos impotentes para combater o efeito estufa, se esquece do efeito Casa Branca. Como presidente, eu pretendo fazer algo a respeito.”
Esta sequência de acontecimentos abre o documentário O Efeito Casa Branca, de Bonni Cohen, Pedro Kos e Jon Shen, em cartaz em São Paulo na já tradicional Mostra Ecofalante de Cinema, que é realizada como parte das comemorações do Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado nesta quinta-feira (5).
Fui convidada a assisti-lo para depois mediar uma mesa de debate sobre "Economia e Emergência Climática: crise, rupturas e futuros possíveis", da qual faziam parte Carlos Nobre, professor do Instituto de Estudos Avançados da USP e co-presidente do Painel Científico da Amazônia, Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, e Ricardo Abramovay, também professor do IEA-USP e pesquisador da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Vendo o filme ainda em casa, antes do debate, confesso que depois desse discurso dei uma pausa para um momento: “uau, ele disse isso mesmo?”. Voltei a assistir do começo para absorver melhor. Eu já sabia que Bush tinha acenado para a questão ambiental em seu governo, para – alerta de spoiler –, não conseguir sustentar essas promessas depois, mas eu não tinha ideia que era um aceno, digamos, tão vigoroso.
Ele colocaria um respeitado ambientalista à frente da Agência de Proteção Ambiental (EPA), William Reilly, e faria importantes emendas na Lei do Ar Puro para reduzir poluentes. Mas na hora de se comprometer com uma meta global para reduzir as emissões do dióxido de carbono (o CO2) que ele cita no seu discurso, ele cedeu às pressões da indústria de combustíveis fósseis e recuou.
O documentário é muito perspicaz em mostrar como os Estados Unidos tiveram a chance de tomar uma atitude décadas atrás para conter a crise climática e desperdiçaram a oportunidade; como a indústria de combustível fóssil desenvolveu os mecanismos negacionistas que minaram essa possibilidade; e como os argumentos que opõem desenvolvimento ao ambiente surgiram. E se repetem até hoje – não apenas nos EUA (não faltam paralelos que a gente pode fazer com o momento atual do Brasil).
No filme é possível ver as origens de entraves que são, até hoje, a tônica das Conferências do Clima da ONU, as COPs, em especial no que se refere à incapacidade de estabelecer compromissos com metas e prazos.
É um olhar para o passado que explica demais o presente, mas acho que o que choca mesmo é que descobrir que por um curto período de tempo parece que havia uma dessas conjunturas perfeitas para que uma atitude concreta fosse tomada. A população estava assustada, a crise climática estava sendo tratada como um problema de estado, não apenas de governo, de modo bipartidário – algo que nunca mais ocorreria nos Estados Unidos – e havia muitos dados científicos para justificar uma mudança.
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