Na sexta-feira passada, dei uma aula magistral para os alunos da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e uma das presentes me pediu, direta: “Natalia, nos dê algumas palavras, um tiquinho de esperança sobre o problema da desinformação”.
Pois, na semana passada, ocorreu em São Paulo a conferência Control+J Latin America, que reuniu jornalistas, acadêmicos, políticos e sociedade civil para discutir como a regulação das plataformas pode ajudar na sustentabilidade do jornalismo. Promovido pela Momentum, think tank fundado por Paula Miraglia, e pela Associação de Jornalismo Digital (Ajor), dirigida por Maia Fortes, o evento foi o primeiro de uma série de quatro encontros internacionais que visam unificar grupos do Sul Global para melhorar sua capacidade de negociar com as plataformas.
O que ficou claro no encontro é que as pressões pela regulação das Big Techs não vão desaparecer. Havia palestrantes da Indonésia, África do Sul, Quênia, Canadá, Austrália, Argentina, Colômbia, Equador, Paraguai e Uruguai – uma mostra de como a pauta continua mobilizando grupos em diversos países. Houve também avanços concretos.
A Comissão de Competição da África do Sul publicou no final de fevereiro um relatório exigindo o pagamento de 25 milhões de dólares durante pelo menos três anos do Google para a imprensa local por práticas anticompetitivas no mercado de anúncios. Além disso, segundo o relatório, a plataforma terá que trabalhar para melhorar seus algoritmos para retirar vieses favoráveis à imprensa estrangeira na busca, por exemplo. O Facebook, por sua vez, deve deixar de desfavorecer conteúdo jornalístico em suas plataformas. Outra exigência é que as empresas de IA devem fazer negociações coletivas com a imprensa sul-africana para o pagamento de direitos autorais pelo uso de seu conteúdo para treinar suas ferramentas.
No dia 19 de março, a Comissão Europeia deixou claro que, apesar das diversas ameaças de Donald Trump, vai seguir fazendo seu trabalho em aplicar as leis antitruste contra as Big Techs: em decisão preliminar, avaliou que a Apple e o Google violaram a lei Digital Markets. O Google, por usar seu mecanismo de busca para enviar os usuários para outros serviços do grupo; já a Apple deveria permitir que produtos de outras marcas se sincronizassem com seus celulares. Se as empresas não mudarem seu comportamento, elas podem receber multas. Além disso, o próprio Departamento de Justiça dos Estados Unidos voltou à carga. Em março, reiterou seu apoio à quebra de monopólio do Google em um processo judicial que pretende forçar a empresa a abrir mão de partes do seu negócio para cumprir a lei antitruste americana. Numa conduta julgada ilegal, a empresa teria pago a fabricantes de celulares e navegadores para exibirem a sua ferramenta de busca como padrão. A decisão veio uma semana depois de representantes da Alphabet terem se encontrado com representantes do governo Trump para pedir ajuda, segundo a agência Reuters. Aqui no Brasil, o governo federal está preparando uma nova proposta de regulação das redes sociais, serviços de mensageria e ferramentas de buscas, assim como uma proposta de regulação pelo viés das práticas anticompetitivas. Teremos ainda o PL da IA, aprovado no Senado no ano passado, que deve entrar em pauta ainda este ano. E a votação do artigo 19 do Marco Civil da Internet – aquele que garante que as plataformas não são responsáveis pelo que publicam – será pautada no STF ainda neste primeiro semestre, depois do pedido de vista de André Mendonça.
Afinal, talvez a era do oligopólio não dure para sempre. Desde o seu surgimento, boa parte das benesses entregues a essas empresas foi garantida pela boa vontade do público, que acreditava que elas estavam aí para melhorar o mundo. That ship has sailed – essa maré mudou. Não sou eu quem está dizendo. Segundo diversas pesquisas feitas nos EUA, a confiança do público nas Big Techs tem entrado em declínio nos últimos anos. Ressalto uma pesquisa do Pew Research Center do ano passado, na qual 78% dos entrevistados disseram acreditar que elas têm poder exacerbado sobre a política.
Ao abraçarem o governo lunático de Trump, elas podem apenas estar acelerando essa tendência – e perdendo seu maior escudo, a paciência de todos nós, usuários. |