Uma notícia sobre Gaza que não deve ser ignorada “Flood the zone with shit” ou “ou inundar a opinião pública de merda” é um dos mantras de Steve Bannon, um dos principais gurus da extrema direita populista global. Steve foi um dos que percebeu que, na era digital em que produzir conteúdo é tão barato, em vez de esconder a verdade, a melhor maneira de manipular a opinião pública é oferecer tanta, mais tanta informação, que o ruído causado pela enxurrada impede que a maioria das pessoas entendam o que de fato é importante. A estratégia é apenas uma reedição de um clássico das Relações Públicas, a criação de “cortinas de fumaça” destinadas a desviar a atenção de determinada notícia que, se veiculada, causaria enorme prejuízo; vale para empresas, políticos, organizações ou países.
Guardadas as devidas proporções, também assistimos a essa enxurrada de informações vindas dos dois fronts de guerra que se desenrolam atualmente, na Ucrânia e em Israel.
A arte da guerra sempre dependeu também da disputa narrativa, e também se vale do fato de que inundar o debate público de informações desencontradas é, hoje, extremamente barato.
Na cacofonia do excesso de informações digitais, lances importantes sobre o desenrolar dessas fronteiras digitais acabam se perdendo. Chamo a atenção para um deles.
Na semana passada, a agência de notícias Reuters publicou uma matéria de extrema importância para quem segue o teatro da guerra de Israel. Um relatório feito pela agência da ONU encarregada de atender os refugiados em Gaza, a UNRWA, descreveu que funcionários da agência foram detidos por forças israelenses e sofreram torturas, como espancamentos, “waterboarding” – forma de tortura que simula afogamento – e ameaças aos seus familiares, para que confessassem terem ligações com o Hamas.
“Os membros da equipe da agência foram sujeitos a ameaças e coerção pelas autoridades israelenses durante a detenção e pressionados a fazer declarações falsas contra a agência, incluindo que a agência tem afiliações com o Hamas e que membros da equipe da UNRWA participaram das atrocidades de 7 de outubro de 2023”, diz o relatório.
A matéria da Reuters avisa que a UNRWA “negou-se” a dar as transcrições das entrevistas para serem revisadas pelo jornalista – um pedido que em si só demonstra cabalmente como tudo que vem da Palestina é tido como mentira a priori.
Eu não vi o tal relatório, e menos ainda as transcrições, e acho que ele deve ser lido com ceticismo, assim como as alegações de Israel. Mas chamo a atenção a ele, justamente porque o ceticismo, nesta guerra, tem dois pesos e duas medidas.
Toda a história envolvendo as acusações contra a agência da ONU tem sido utilizada como uma narrativa militarizada a favor de Israel. Uma narrativa que, como veremos, tem sido distribuída em momentos estratégicos em que o Estado israelense quer desviar a atenção.
Lembremos. A denúncia de Israel a respeito de doze funcionários da ONU que teriam participado do atentado terrorista do ano passado passou a ser ventilada no mesmo dia em que o Tribunal Penal Internacional em Haia emitiu uma decisão provisória sobre acusações de genocídio feitas pela África do Sul. O Tribunal ordenou que Israel agisse para evitar a prática de genocídio pelos seus soldados e que permitisse a entrada de ajuda humanitária.
O ministro de Defesa de Israel, Yoav Gallant, passou a aparecer em canais e dar declarações a jornais, despejando a conta-gotas detalhes das acusações. Falou à Fox News no dia 10 de fevereiro; no dia 15, o seu ministério publicou os nomes dos doze acusados a toda a imprensa, alimentando um ciclo noticioso.
Ao receber a denúncia, o comissário-geral da UNRWA , Philippe Lazzarini, imediatamente demitiu os funcionários e iniciou uma investigação sobre o caso. Isso não impediu dezesseis países de suspenderem o financiamento para a agência.
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