
Peça 1 - as relações históricas com o MPF
Antes da Lava Jato e das jornadas de junho de 2013, já havia um
acordo tácito entre a imprensa - Globo à frente - e procuradores.
Matérias penais sempre renderam leitura e audiência. A mídia ia atrás
dos escândalos investigados, selecionava alguns e lhes dava
visibilidade. Sua participação era duplamente vantajosa para o
procurador contemplado. Dando visibilidade ao processo, reduzia as
resistências dos juízes. E elevava o procurador, ainda que
provisoriamente, ao status de celebridade.
Cunhou-se uma expressão no MPF: só vai para frente processos que a mídia bate bumbo.
Nas décadas 1990 e 2.000 a parceria produziu vários episódios de
repercussão e algumas injustiças flagrantes, como o episódio do hoje
desembargador Ali Mazloum.
No início do Twitter, era notável a quantidade de procuradores que
colocava no perfil uma foto com um microfone da Globonews, como sinal de
status, confirmando o extraordinário poder de persuasão dos holofotes
da mídia.
Com o tempo, essa parceria foi institucionalizada. Os procuradores passaram a receber aulas de
midia training
- mais focadas em ensinar como poderiam impressionar o repórter e
arrancar uma manchete, do que em discorrer sobre a missão do Ministério
Público.
Gradativamente, o uso do cachimbo passou a entortar a boca do MPF. Ao
se preocupar em atender às demandas da mídia, o treinamento ia
amoldando sua forma de atuação àquilo que fosse mais atraente para os
jornais. Um número cada vez maior de procuradores passou a buscar o
endosso da mídia para seus processos.
Essa aproximação se ampliou com o endosso da Globo a prêmios como o
Innovare – por si, uma iniciativa relevante – e “Faz a Diferença” - uma
tentativa canhestra, provinciana (e eficiente) de cooptar pessoas
através da lisonja.
No "mensalão" a parceria se consolidou.
O MPF descobre que, dando foco na aliança com a mídia, poderia passar
do estágio das cooperações pontuais para uma parceria capaz de torna-lo
um poder de fato, fugindo das limitações nem sempre legítimas impostas
pelo Judiciário e Executivo.
Mundialmente, já estava em andamento a crise das instituições,
atropeladas pela nova ordem midiática, com a velha mídia ou através das
redes sociais.
A manipulação não veio de jovens procuradores deslumbrados, mas do cerne da organização.
As figuras referenciais do MPF, aliás, nos devem explicações sobre
essa primeira incursão no ativismo político, que se baseou em
falsificação de provas - o tal desvio da Visanet que nunca houve - para
tentar derrubar o governo.
Essa falsificação passou por dois PGRs – Antônio Fernando de Souza e
Roberto Gurgel -, um ex-procurador – Joaquim Barbosa – e um grupo de
procuradores de ponta atuando nos grupos de trabalho.
Barbosa escandalizou-se com os abusos do impeachment. Mas cabe a ele o
duvidoso mérito de ter inaugurado a manipulação dos processos para fins
políticos e de autopromoção.
A trajetória do Procurador Geral Antônio Fernando de Souza,
aposentando-se e ganhando um megacontrato da Brasil Telecom de Daniel
Dantas - a quem ele poupou na denúncia -, sem nenhuma reação da
corporação, já era um indício veemente de que alguma coisa estranha
ocorria no âmbito do MPF. Tudo pelo poder passou a ser a bandeira.
O clima de catarse, proporcionado pela aliança com a mídia, contra um
alvo fixo - o governo do PT - abriu um leque de possibilidades inéditas
para a corporação. Gradativamente trocou a velha senhora, a
Constituição, pelo deslumbramento com o novo mundo que se abria,
ofertado pelo Mefistófeles do Jardim Botânico.
Quando eclodiram os movimentos de rua de junho de 2013, a parceria
foi formalizada. A Globo montou uma campanha contra a PEC 37 - que
ninguém sabia direito o que era, mas sabia que era de interesse do MPF.
Quando veio a Lava Jato, assumiu as redes da corporação.
Peça 2 - o novo padrão de parceria
Com a Lava Jato consolida-se definitivamente o novo padrão de
parceria. E o MPF se torna um instrumento da Globo, conduzido pela
cenoura e o chicote. Bastava dar foco nas investigações de seu
interesse, e jogar no limbo as investigações que não interessavam, para
tornar o MPF um instrumento dócil de seus objetivos políticos.
O caso Rodrigo De Grandis é exemplar. Há indícios veementes de que o
atraso na liberação de provas para o MP suíço visou blindar políticos
paulistas envolvidos com os escândalos da Alstom.
Cobrado pelos suíços, o Ministério da Justiça solicitou diversas
vezes os documentos, o que afasta definitivamente a hipótese de que a
não entrega foi fruto de um esquecimento pontual da parte dele. Bastou a
mídia tirar foco das investigações para o procurador ser inocentado.
A parceria consolidou-se com um padrão cômodo de acolhimento de
denúncias por parte do MPF. Só é aceito como denúncia o que parte dos
seus aliados da mídia. Denúncias de outras fontes, ainda que bem
fundamentadas, são ignoradas.
Esse mesmo padrão viciado – embora menos óbvio – ocorreu com grupos
jornalísticos de outros países. A ponto de os grandes escândalos
recentes – do assédio sexual em Hollywood aos escândalos dos grupos de
mídia com a FIFA – serem levantados por sites alternativos, como o
BuzzFeedd e Intercept, bancado por bilionários do setor de tecnologia
visando quebrar os tabus na cobertura da mídia tradicional.
No Brasil, essa estratégia, de só aceitar denúncias vindas da velha
mídia, gerou o estilo viciado de investigações, com todo o sistema de
investigação subordinado ao que é acordado pela Globo com o MPF e,
subsidiariamente, com a Polícia Federal.
A maior prova dessa parceria foi a mudança da linha de cobertura do Jornal Nacional.
Dia após dia, passou a ser dominada pela cobertura policial-jurídica,
de difícil compreensão pelo público mais amplo, mas essencial para o
controle e direcionamento das ações do MPF.
Sacrificou-se a audiência em favor de um protagonismo político explícito, investindo na parceria com o MPF.
Peça 3 - as interferências diretas
O episódio da delação da JBS foi o corolário dessa atuação. Ocorreu
dias depois do Ministério Público espanhol denunciar Ricardo Teixeira
por corrupção na venda dos direitos de transmissão da Copa Brasil - da
qual a única compradora foi a Globo.
Ou seja, um escândalo brasileiro, com personagens brasileiros,
ocorrido em território brasileiro, e desvendado pelo Ministério Público
espanhol. Outra parte do escândalo levantado pelo FBI. Uma terceira
parte pelo Ministério Público suíço. E nada pelo Ministério Público
Federal do Brasil.
Poucos dias antes, vazou a informação de que o Ministério Público
espanhol tinha levantado a prova decisiva da corrupção da Globo: a
compra dos direitos de transmissão da Copa Brasil, sem o uso de
“laranjas”. Três pessoas sabiam disso na Globo: João Roberto Marinho,
Ali Kamel e o vice-presidente de Relações Institucionais.

A saída foi o pacto de sangue com o Procurador Geral da República,
dando endosso total à delação da JBS, levando a Globo a romper com a
organização criminosa que ela levou ao poder.
No mesmo dia da conversa, o material foi encaminhado para o colunista
Lauro Jardim. E à noite recebeu cobertura intensa e desorganizada,
porque improvisada, do Jornal Nacional.
Quando teve início a campanha para a eleição da lista tríplice, dos
candidatos a PGR, a Globo atuou como cabo eleitoral explícito de Rodrigo
Janot, sendo cúmplice em várias armações contra Raquel Dodge. Como na
reunião do Conselho Superior do Ministério Público, na qual Janot se
baseou em interpretações falsas para acusar Dodge de pretender
prejudicar a Lava Jato. E a manipulação foi endossada nas publicações da
Globo.
Peça 4 - a organização criminosa
Têm-se, portanto, um poder de Estado sendo conduzido por uma
organização privada, a Globo. Aí se entra em um terreno pantanoso: como
se comporta essa organização na sua atividade corporativa?
É importante a diferença entre as palavras e os atos.
O gráfico abaixo foi produzido pelo relatório alternativo da CPI do
Futebol, uma das muitas CPIs que apontavam explicitamente o envolvimento
da Globo na corrupção esportiva. E que não deram em nada.

Ele se refere à quinta forma de corrupção na FIFA e na CBF, onde o
ponto central, de onde fluíam os recursos para toda a cadeira criminosa,
eram os patrocínios adquiridos pelas emissoras de TV.
Têm-se aí todos os ingredientes de uma associação criminosa. Conforme descrito pela CPI:
O núcleo diretivo da CBF
está conformado nos seus principais dirigentes (presidente,
vice-presidentes e diretores) que, com unidade de desígnios, executam
planos criminosos, objetivando o enriquecimento ilícito.
O núcleo empresarial
está assentado nas empresas contratualmente ajustadas com a entidade nos
acordos comerciais, com combinação de preços para pagamento de
vantagens indevidas.
O núcleo financeiro
comporta determinadas empresas responsáveis pela transferência dos
ativos ilícitos aos dirigentes e funcionários da CBF, além daquelas
interpostas nos acordos comerciais celebrados entre a CBF e as
contratadas (núcleo empresarial), cabendo as postadas de permeio o
repasse de parte das comissões ao núcleo diretivo, como forma de
propinas.
O esquema montado pela organização
criminosa extremamente sofisticado e de difícil elucidação. Por isso, a
atuação do FBI na prisão do ex-presidente JOSÉ MARIA MARIN, na Suíça,
por crimes relacionados ao FIFA CASE, mesmo caso em que RICARDO TERRA
TEIXEIRA, MARCO POLO DEL NERO e outros brasileiros foram denunciados
pelo Departamento de Justiça Americano.

O papel da Globo não foi apenas o de provedora inicial dos recursos
distribuídos pelas diversas peças da engrenagem criminosa. Foi
fundamental também para a blindagem política de Ricardo Teixeira.
Na CPI da Nike, em 2001, o Senado Federal levantou 13 imputações de
crime a Teixeira. Nada resultou no âmbito do Ministério Público Federal.
Houve outras CPIs, outras descobertas retumbantes, enterradas sob o
silêncio do MPF e da mídia.
Houve apenas um início de investigação, que parou em uma juíza da 1
a instância.
Peça 5 – a hora da verdade
Dia desses saiu a notícia, sem muito alarde, de que o ex-procurador
Marcelo Miller vibrou quando a Lava Jato chegou em Aécio Neves. Miller
não era um petista, longe disso; nem um anti-aecista. Mas estava nítido,
para parte relevante da corporação, que a blindagem de Aécio tornava o
MPF uma instituição de segunda categoria, porque restrita a um espaço
delimitado.
Pelas redes sociais foi visível o alívio de procuradores, tirando de
si (na opinião deles) a carga de terem espaço para agir apenas contra o
PT.
Agora, se chegou à hora da verdade em relação à Globo.
As evidências de crime são enormes, e não apenas na confissão do
lobista Alejandro Burzaco, à corte de Nova York. Há os inquéritos na
Espanha, batendo direto na Copa Brasil. Há as investigações na Suíça.
E há uma nova Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, no maior
desafio que um PGR enfrentou, provavelmente desde a Constituição: provar
que o MPF é um poder de Estado de fato, e que não existem intocáveis na
República.
São tão abundantes as informações que jorram do exterior, que não
será possível esconder o fato debaixo do tapete, como foi feito em
outros tempos com tantos inquéritos.
Do desafio de investigar a Globo se saberá se o MPF se assumirá como
poder de Estado, ou se continuará atrelado a uma organização criminosa.